O Fluminense acaba de ser eliminado pelo Olímpia mesmo tendo dois gols de vantagem sobre o time paraguaio. No Defensores del Chaco, Abel Braga tinha à disposição seus melhores jogadores entre experientes e emergentes. Com a braçadeira de capitão, Felipe Melo representava o ideal projetado especialmente no futebol brasileiro de que alguém tem poderes adicionais de atitude, foco, determinação, testosterona ou seja lá o que seja.
Por este poder messiânico, o tal líder seria capaz de espalhar sua atitude guerreira para todos os seus companheiros e viria então a vitória final. Como o personagem El Cid, interpretado no cinema por Charleston Heston, a força carismática do líder bastaria para conduzir os liderados ao sucesso mesmo que o redentor estivesse morto sobre o cavalo, mas preso à sela de forma a parecer que conduzia seu exército para vencer a grande batalha.
A história é bonita. Já houve tempo no futebol em que cabia a figura redentora que seria capaz de contaminar positivamente, pelos decibéis da sua voz, quem não tivesse a mesma chama. Não mais em 2022.
Sem culpa de Felipe Melo, o Fluminense não teve atitude suficiente para tentar jogar bola. Apenas conjugou o verbo defender e esperou o apito final. Quando o apito trilou, o Olímpia vencia por 2x0 e chegava para as cobranças de pênaltis com a confiança no infinito. Se nos 90 minutos a única bola do jogo para os cariocas foi desperdiçada pelo jovem Gabriel Teixeira, nos pênaltis o desperdício veio pelos pés dos experientes Willian e Felipe Melo.
Como havia expectativa demasiada sobre o papel redentor de Felipe Melo, sobrou para ele de forma exagerada grande parte da crítica pela eliminação. Porque havia um "felipemelismo" entre a torcida desde a chegada do volante às Laranjeiras. Podemos perder por qualquer razão, pareciam pensar os tricolores, menos por falta de atitude. Felipe Melo está entre nós! Pois é... faltou atitude. E a responsabilidade não foi de Felipe Melo.
Por que diabos uma coluna escrita para o fim de semana de Gre-Nal começa pela eliminação do Fluminense na Libertadores e insiste em falar sobre o líder empoderado que tudo pode? Porque ainda há bastante gente com a crença de que este personagem sobrevive aos novos tempos do futebol e sempre terá espaço no imaginário de quem torce. Não tenho a pretensão de dizer que estão errados, mas me obrigo a dizer que não acredito, em pleno março de 2022, que caiba este Messias na vida real dos times bem-sucedidos.
O Grêmio acaba de trazer Edílson supondo que ele possa ser esta liderança. Pode ser, sim, desde que não recaia sobre seus ombros a missão de condutor divino do time gaúcho de volta à Série A. O Inter também procura alguém que cumprisse este papel messiânico, chegou a fazer proposta a Felipe Melo, ele preferiu o Fluminense. O que me parece claro é que não precisa haver um líder na fronteira da atitude com a truculência para que uma equipe tenha sucesso.
Foco e determinação são missões coletivas. Zinho era uma liderança serena no Grêmio campeão da Copa do Brasil de 2001. Só se soube que Fernandão era capaz de elevar a voz quando foi divulgado o vídeo em que ele fala aos jogadores antes da final do Mundial contra o Barcelona em 2006. O Flamengo multicampeão de Jorge Jesus tinha Everton Ribeiro de capitão. Mal se ouve a voz dele numa entrevista. No entanto, ele se fazia respeitar por um monte de medalhões que o cercavam em vermelho e preto.
O Gre-Nal e qualquer outro jogo importante sempre será vencido por quem reúna um combo de qualidades onde atitude é uma delas, talvez até a primeira delas, mas não necessariamente empurrada à fórceps aos demais jogadores por um capitão que grita e xinga. O Brasil campeão em 1970 tinha um Carlos Alberto que ia nesta levada. Os gênios à sua volta acatavam o que ele gritava. O penta em 2002 veio com um capitão que muito mais sorria do que falava alto.
Cafu subiu no púlpito para exaltar o Jardim Irene com a taça na mão. Apareciam os 32 dentes da sua boca, tamanha a vastidão do seu sorriso. Já Dunga, em 1994, ao levantar a taça do tetra, descarregava com rosto crispado a injustiça que sofreu quatro anos antes, quando o Brasil foi eliminado pela Argentina e se considerou o fim do que alguns chamavam de Era Dunga.
Então, você que me lê já percebeu que o colunista não pretende estipular a fórmula certa. Apenas escreve que Grêmio e Inter parecem fixados na imagem e semelhança de Felipe Melo como se não houvesse outro jeito de fazer o time jogar e vencer a não ser por este perfil de líder.
Entre os 22 que estarão em campo neste sábado, não existe uma liderança a El Cid. Nem por isso uma equipe deixará de garantir, ao final dos dois jogos, presença na decisão do Gauchão. A RBS TV transmitirá o Gre-Nal ao vivo às 16h30min. E mostrará o clássico na Arena quarta-feira que vem às 22h15min.