Se eu me colocasse na posição de um torcedor gremista, talvez concluísse que ler uma coluna sobre o time que está partindo meu coração não restaria entre meus melhores programas de fim de semana. Ao mesmo tempo, ao chamar pela reconstrução, é possível que meu interesse como apaixonado fosse despertado porque, afinal, tudo de que eu precisaria como torcedor se resume a isso. Reconstrução.
Daí a audácia do colunista de escrever sobre o momento horroroso vivido pelo Grêmio dias depois da inédita eliminação na primeira fase da Copa do Brasil e com rodada de Gauchão por jogar fora de casa neste fim de semana que antecede, inferno sem fim, o Gre-Nal também longe da Arena.
Para começar a reconstrução inadiável sem a qual o Grêmio não subirá de volta a seu lugar no futebol brasileiro, quem dirige precisa ter em mente que não há mais margem para erro em 2022 porque a temporada se soma à anterior e tudo fica potencializado na dor e na angústia. Se foi erro manter Vagner Mancini e trocá-lo no segundo mês do ano, trazer Orejuela com resposta previamente insatisfatória, promover um insensato rodízio de goleiros, repetir Tiago Santos de primeiro volante e outros tantos episódios infelizes, a hora é de reduzir os danos e abrir outro ciclo.
Roger Machado faz parte desta reviravolta, não basta. Reforços — e não contratações — devem chegar em pouca quantidade e grande qualidade. Escrever é fácil, vá praticar esta equação jogando só a Série B a partir de abril. Para isso existem os dirigentes. Eles não são obrigados à missão, vão porque gostam do clube ou da visibilidade. Ou de ambos, nada contra.
Então, cabe a Romildo Bolzan Júnior parar de errar por atacado nas falas e nas atitudes. Cabe a Denis Abraão atualizar o discurso para evitar o descrédito após cada insucesso. Cabe ao treinador encontrar soluções neste grupo que mesmo sem reforços já põe o Grêmio na condição de maior favorito ao acesso.
Longe do ideal, sim, mas também muito longe de correr o risco de ficar em quinto diante da qualidade geral que o cercará na Segunda Divisão, o clube será alvo dos concorrentes como o time a ser batido. Afinal, é o gigante de queda mais recente, acaba de ser eliminado na Copa do Brasil para um time da Série C, a torcida se desarvora ao ver sua direção sem rumo.
Os jogadores, atônitos, precisam de um rumo, não tomarão um caminho por conta própria ainda que a liderança de Geromel seja positiva. Porém, imagine-se Geromel. Você foi à última Copa, viveu seis anos com pelo menos um título por temporada e agora vê a crítica descer a lenha de todos os lados. E, pior, críticas justas diante do caminhão de erros praticados por todos os envolvidos no rebaixamento gremista, incluindo aí os jogadores. Geromel também deve estar atordoado.
Neste contexto, o papel de Roger Machado será fundamental. Ele é o frescor, a lufada de ar que vem quando se abre a janela depois de muito tempo fechada. Sua sensatez, sua inocência em relação a tudo que houve antes e sua reconhecida competência podem animar a torcida, os dirigentes e o elenco.
Não é pesado demais o papel que estou atribuindo ao técnico; qualquer escolhido teria que cumpri-lo. Roger pode mais porque conhece o clube, foi formado nele, convive com a idiossincrasia da torcida desde sempre. Vindo de uma parada que certamente serviu para amadurecimento, o treinador terá que ser efetivamente comandante do processo de reconstrução.
Pediu reforços depois da derrota para o Mirassol, talvez não leve. Era seu segundo jogo, vai observar nos treinos quem pode evoluir, quem bateu no teto, que involuiu e o que a base pode reservar. Não tem como adiar a escolha e a manutenção de um goleiro, buscará onde houver um lateral-direito confiável, treinará à exaustão modelos de meio-campo que funcionem conforme as necessidades, esperará que Ferreira acompanhe Diego Souza no protagonismo e precisará tornar Campaz mais do que um meia-atacante de talento bruto que oscila de um lance maravilhoso para outro bisonho.
Em meio a este trabalho com o que já dispõe, usará sua voz mais macia e cativante para tentar de sua diretoria a contratação de poucos, porém qualificados jogadores que mudem o status do time. Missão previamente difícil, combinemos. Para trazer protagonistas estando fora das melhores competições, o dinheiro seria o melhor argumento.
Entretanto, dinheiro não há e não haverá porque a fonte de recursos será a Série B e nada mais. A menos que faça uma venda inesperada que lhe renda novos recursos, o Grêmio trabalhará na conta do chá. Neste cenário, a margem de erro é zero. O acerto terá que ser cirúrgico. A paciência do torcedor não é algo com que se possa contar neste momento e ninguém haverá de tirar sua razão.
Portanto, só o trabalho persistente e convicto dos profissionais poderá mudar este contexto. Se o Grêmio entrasse na espiral do ano passado em que trocava de treinador como se estivesse num espeto corrido, o insucesso seria o resultado final porque para métodos repetidos, resultados repetidos.
Roger Machado está desafiado no clube de origem. Romildo Bolzan está desafiado porque não quer aumentar e perpetuar a mancha do rebaixamento com uma eventual permanência na Série B. Quanto aos jogadores, o grupo é heterogêneo. Há os que estão incomodados com o que vão viver ao longo de 2o22 e não descansarão enquanto não devolverem o Grêmio ao seu lugar. Mas talvez haja também os que não se importam com o calvário deste ano desde que o salário caia no dia prometido.
Meninos talentosos podem se firmar ou não, depende de um combo de fatores onde confiança é o principal. Jogadores experientes podem dar a volta e jogar o que já jogaram nos melhores momentos como podem também ficar jogando o futebol medíocre dos tempos mais recentes.
Nada é certo no futuro gremista, por mais que o colunista acredite no retorno à Série A a partir da reconstrução sem a qual esta volta não vai acontecer. Enquanto a reconstrução não for sinalizada com novas atitudes de quem comanda o clube, a torcida gremista terá todo o direito de duvidar do que eu não duvido. De que o Grêmio estará na Série A em 2023.