Oração ao tempo é uma das mais bonitas composições de Caetano Veloso e trata, basicamente, de tempo. O arroubo poético do colunista pretende trazer para o futebol a aflição contida na música do baiano genial. Pedir tempo à torcida para que tudo dê certo ao fim e ao cabo é sempre demasiado. Quem torce lida com a urgência, quer sua paixão aplacada de imediato. No futebol, significa vencer logo, sair da crise, ganhar o título.
Nestes dias cinzentos dos gigantes gaúchos em que o desempenho está precário, tempo é tudo o que precisam Roger Machado e Cacique Medina. Um porque recém assumiu e estreia neste sábado (19), contra o São Luiz, na Arena. O outro porque chegou de outro lugar, cultura e língua e precisa responder em curto período ao anseio de uma torcida que não é campeã desde 2016. Uma torcida que acaba de comemorar como maior alegria o rebaixamento do rival. Tempo, tempo, tempo,tempo.
O lado vermelho
O uruguaio que assumiu o Inter há pouco mais de 30 dias tem uma fronteira próxima que não chega a ser forte o suficiente para derrubá-lo tão cedo, mas pode consagrá-lo cedo. Ganhar o Gre-Nal no Beira-Rio daria um fôlego extenso para o treinador se virar enquanto reforços decisivos não chegam.
No entanto, não há sinais de avanço do desenho do time colorado. Em parte, há responsabilidade da direção, que demora a trazer jogadores que mudem o status do time. Noutra parte, o próprio treinador se atrasou em testes repetidos e acaba de formar um banco esdrúxulo para jogar contra o Brasil-Pel no Beira-Rio. Havia três volantes na reserva e um centroavante suplente fora da lista. Insensato.
Neste domingo, o Inter jogará num piso impraticável, ainda que legalizado pela FGF e aprovado pela Fifa. O gramado artificial do Passo D'Areia faz com que se jogue um esporte que lembra remotamente futebol. Duvido que Medina ponha a atuar o time que idealiza para o Gre-Nal, provavelmente bem parecido com o que empatou com o Brasil quarta-feira passada.
Como Cacique Medina não traz passivo em seu trabalho, a torcida parece disposta a esperar o encaixe, embora tenha vaiado com razão as más atuações das duas últimas vezes em que o time jogou em casa. Mesmo que não tenha jogadores que já deveriam ter sido a ele entregues, o técnico pode montar um time com bons nomes do grupo atual e, especialmente, mais disposto a jogar a bola na direção do gol adversário do que na direção do próprio gol.
É muito passe para trás, é muita bola jogada em paralelo ao gol do rival. No manual pode estar escrito que esta troca de passes para trás ou a burocrática saída de três serviria para balançar a marcação. Nada. Quem marca fecha o acordo na hora por esta bola que roda longe de causar perigo. O tempo de Medina está longe de se esgotar, mas também não é infinito. E há um Gre-Nal no meio do caminho.
O lado azul
Roger Machado mostrou no próprio Grêmio que é capaz de fazer o trabalho aparecer rapidamente. Em 2015, conseguiu. Por Atlético-MG e Palmeiras, também, só não deu sequência. No Fluminense recente, ficou pela metade.
Sua parada por razões familiares deve ter amadurecido o treinador — ele citou amadurecimento na coletiva de apresentação. Seu desafio adicional é não contar com jogadores do nível de Geromel, Kannemann em alta performance, Maicon, Wallace, Luan, Pedro Rocha, Douglas e Everton.
Com estes recursos humanos sete anos atrás, formatou um time competitivo que jogava bonito e foi terceiro colocado no Brasileirão. Hoje, seu universo é Série B, e não há jogadores daquela qualidade surgindo na base ou esperando no elenco. O tempo de Roger Machado não é tanto o Gre-Nal que acontece no próximo fim de semana.
Ser finalista do Gauchão é premissa. Entretanto, chegar na abertura da Segunda Divisão com equipe encaminhada será mais relevante. O campeonato começa uma semana depois do fim do Estadual. Roger Machado precisa restabelecer já confiança, encontrar um onze e repeti-lo. Escolher um goleiro. Revisar a titularidade da lateral esquerda. Pedir um novo lateral-direito. Achar lugar para Campaz e Benítez juntos e reforçar o protagonismo de Ferreira.
Não terá estes dois últimos de imediato, terá de encontrar outras soluções que não sejam a desastrada trinca de volantes utilizada contra o União-FW. Estrear em casa contra o perigoso São Luiz é bom cenário para uma vitória, mesmo que ela não venha acompanhada de alto desempenho. Nem se pode cobrar de imediato de Roger que faça tão rápido um time vistoso, se é que fará. Competente e competitivo logo adiante, sim.
O destaque do Interior
Enquanto isso, Luizinho Vieira em pouco tempo formatou um competentíssimo Ypiranga em Erechim. O de Júnior Rocha no ano passado quase subiu para a Série B, e o trabalho levou o treinador anterior a outros voos.
O ex-meia do Brasil-Pel tem uma visão ofensiva do jogo e rapidamente montou um time bom de ver jogar. A vitória sobre o Inter dois sábados atrás é de ficar na retina. Neste domingo, joga em Pelotas, contra o Brasil. Se a campanha caseira é de 100%, fora do Colosso da Lagoa são dois pontos ganhos em nove disputados. Não se pode, porém, comparar a expectativa sobre o técnico que assume o Ypiranga com qualquer um que assuma Grêmio ou Inter.
Nem cabe comparar com Jorge Jesus, que fez um Flamengo encantado em pouquíssimo tempo enquanto recebia Rafinha, Marín, Filipe Luís e Gérson de presente. O tempo a ser dado e depois cobrado de Roger e Medina é outro. Tão extenso quanto o calendário autorize.
E não será muito tempo porque os tempos são de impaciência, intolerância, compensação de ressentimentos da vida diária por vitórias no campo. Neste quesito, Grêmio e Inter estão bem atrasados. Quanto antes recuperem o tempo perdido, menos sofrerão. Tempo, tempo, tempo, tempo.