Gente da minha geração tem do Exército uma imagem muito ruim: para nós, que vivemos a segunda metade da ditatura militar já como jovens e adultos, esta instituição era sinônimo de poder discricionário, de autoritarismo, de uma série de marcas, enfim, indesejáveis. E por isso mais nos assombrava a hipótese de prestar aquele ano de trabalhos — afastada desde sempre a hipótese de engajar (ou “enganjar”, como dizem correntemente muitos).
Não é assim em toda parte; em muitos lugares mesmo do mundo ocidental desenvolvido, o Exército faz parte do repertório de instituições dignas, onde o sujeito pode desenvolver carreira correta de variadas formas. Conheci, na França, dois oficiais brasileiros que faziam curso de pós-graduação na famosa École Militaire, e o que eles contavam era de estarrecer — no bom sentido! As conferências a que assistiam, com alguns dos melhores historiadores franceses, eram algo inimaginável, na experiência brasileira que conheci.
Quantas dezenas ou centenas de milhares de jovens têm servido ao Exército brasileiro? E quantas vezes essa experiência apareceu em romance, como elemento central? Talvez nunca, antes desse muito interessante Efetivo Variável, romance assinado por Jessé Andarilho, da Alfaguara. O cenário é o subúrbio do Rio de Janeiro de nossos dias, na era da internet e do smartphone.
Jovens trabalham como conscritos e sofrem o efeito do arbítrio de colegas mais velhos, em práticas que mais parecem tortura do que treinamento. O cotidiano de um ano de serviço militar enche as páginas, que são de leitura fluente e por assim dizer pulsante, uma cena levando para outra, o leitor querendo saber se vai ou não dar certo aquele namoro do recruta Vinícius com a filha do sargento, se de fato ele ao sair de lá terá alguma chance de vida melhor do que antes, ou se vai mesmo precisar trabalhar no tráfico ou na milícia, esses dois terríveis males brasileiros. Uma grande experiência de romance deste tempo.