Tem razão a tradição historiográfica que postula o lapso de 25 anos como definidor de uma geração. Agora mesmo estava fazendo umas contas e cheguei a essa constatação banal. Contas nascidas do desconforto profundo que sinto com a violência da extinção das fundações estaduais, pelo governo Sartori. É duro presenciar o descuido, a negligência, o descaso com que são tratados o currículo, o patrimônio físico, os preciosos acervos, até mesmo os contratos de órgãos como a FEE, a FZB, a Fepagro, a TVE, a FM Cultura, para ficar só nesses exemplos, e nem falar da brutalidade das demissões.
Fim de ciclo, é o que se percebe: estamos de fato em outro alinhamento. Para quem tinha o progressismo de orientação distributivista, inclusiva e democrática de Obama, FHC/Lula/Dilma e Primavera Árabe/Occupy, fica difícil aceitar Trump, Temer e Sartori, em harmonia com a ascensão da direita xenófoba e racista na Europa. Não é só isso que havia ou que há, certo, mas é certo que a hegemonia mudou de lado: uma geração que finda e outra que assume.
Agora as contas, em sua dimensão brasileira. No sentido da hegemonia da modernização arejada, do progressismo democrático, o período entre 1945, fim do Estado Novo, e 1968, edição do AI-5 (23 anos), se compara ao período que vai de 1993, começo da era FHC, a 2016, ano do golpe parlamentar sob forma de impeachment de Dilma – outros 23 anos! Entre os dois tempos, 25 anos sob hegemonia do autoritarismo, do obscurantismo, da censura ao debate.
Há ainda um período forte que vai de 1951, posse de Getúlio, a 1964, o início do golpe civil-militar-midiático: 13 anos. Mesmo tempo de 2003, Lula, a 2016, Dilma impichada mediante manobras, patifarias, ilegalidades e ligeirezas. (Não dá para esquecer os vazamentos ad hoc feitos pelo ínclito juiz Moro.)
Fiz essa contabilidade para formular uma comparação, que não cabe aqui mais do que em esquema geral, sobre o mundo da cultura, no seu sentido amplo: como andava ela em 1968, como andou ela no 2016? Há paralelos interessantes. A começar, são dois momentos históricos de culminância de duas gerações similares (inclusão social, progressismo democrático, sentido distributivista), ao mesmo tempo que são dois momentos de inflexão histórica em direção diversa, talvez oposta (toc, toc, toc!).
Recorro a um pensador de fôlego, cujas teses iluminaram o Brasil e o tempo. Em 1968, Roberto Schwarz escreveu um ensaio, publicado apenas em 1978, em que tentava entender o paradoxo de estar o país vivendo um regresso forte em matéria de vida democrática (os militares no poder, o Congresso apequenado na marra, o Judiciário acovardado, prisões, censura e perseguição à oposição), tudo para "garantir o capital e o continente contra o socialismo", em contraste com a hegemonia da esquerda no campo cultural. Uma frase do ensaio esclarece outro aspecto: "No conjunto de seus efeitos secundários, o golpe (de 64/68) apresentou-se como uma gigantesca volta do que a modernização havia relegado, a revanche da província, dos pequenos proprietários, dos ratos de missa, das pudibundas, dos bacharéis em lei."
Nosso tempo se expressa em outros termos (só o que não muda são os bacharéis e suas mesóclises), mas a onda conservadora e regressiva está aí. Na força dos pastores (muitas vezes também políticos) pragmáticos que, oferecendo uma ética simples e exequível para miseráveis de espírito, exploram de modo lamentável em seu favor uma gente abandonada pelo Estado brasileiro, que nunca lhes deu escola decente (nem sob Lula e Dilma). Nas viúvas da ditadura militar e no estreito antipetismo que tantas vezes se mistura com um sentimento antipovo. Na abominável ação do governo Sartori contra as fundações.
* Luís Augusto Fischer escreve mensalmente no Caderno DOC.