Inesperado mesmo foi esse fim de leitura: chorei, discreto mas firme. Tive que bloquear o que ia falar. Emoção genuína, sem cortes. Emoção de quê? De onde veio? Acabo de ler Rita Lee, uma autobiografia, naturalmente da própria Rita Lee (Globo Livros). E o fim é esse aí, de chorar. Mas chorar de beleza, pelo patético da vida, pelo belo da vida.
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Toda grande figura, ainda mais na curva dos 70 anos, tem coisa pra contar, certo, e eu sou leitor entusiasmado de biografias e memórias. Rita Lee está na berlinda quase desde que eu me conheço: eu tinha uns 10 anos quando Os Mutantes estouraram, conquistando o coração dos jovens e das crianças por motivos nada óbvios, ou nada imediatos – ou melhor, me corrijo, por motivos óbvios e imediatos: aqueles três malucos de roupas alegres, evidentemente disparatadas, com cara de quem estava fazendo uma traquinagem e sabia disso mas, né, era o caso de fazer.
E a Rita, puxa vida: Rita de noiva, com pratos de banda marcial na mão, misturando ingenuidade e grosseria num sorriso sapeca irresistível. Ela era mesmo casada com um daqueles dois irmãos? Ela conta tudo isso, com bastidores de sua família de origem – mescla de mãe italiana com pai norte-americano, ela católica e ele meio maluco, os dois caipiras paulistas – e infinidade de detalhes da infância, adolescência, juventude, namoros, criação artística, filhos, amigos, brigas, viagens, tudo, até chegar ao presente, num tom que mistura o informal com o denso, o informativo com o irônico mordaz.
Textos curtos, cortantes, com ritmo de um espetáculo de idas e vindas sem perder o tom geral debochado. Conta lisamente seu estupro, aos seis anos, assim como todo o bololô com os babujentos irmãos Baptista, desde os 60 até há pouquinho. Conta a infinidade de cenas com drogas (ela, como a Chiquita Bacana, transou todas, mas perdeu o tom umas quantas vezes). Sem autopiedade, sem bravata.
E termina me fazendo chorar de beleza, por me dar a ver a ampla e onipresente atuação de seu talento na minha vida, nesse mostrar-se escondendo-se bem (e, nisso, permitindo que nos vejamos a nós mesmos), como todo grande artista consegue. Santa Reeta, que beleza, uma das grandes figuras do país, da língua, do tempo.
Coluna
Luis Augusto Fischer: Santa Reeta me fez chorar
Colunista escreve sobre a biografia da cantora Rita Lee
Luís Augusto Fischer
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