Há alguns anos tive contato com um mundo paralelo: meu carro foi levado por bandidos, arma na cara, tudo isso. Por um acaso do destino, a cena foi presenciada por um valente brigadiano, já reformado; ele acionou a Brigada, que chegou em minutos e saiu em perseguição do meu carro – que foi encontrado em meia hora. Os autores foram presos. E embora estropiado e baleado o carrinho, pude recuperar o que estava nele – e me toquei para o Palácio da Polícia, para fazer o flagrante.
Era para ser, disse o policial do atendimento, o flagrante perfeito, pelas condições. Em resumo, passei a madrugada no plantão (cheguei pela meia-noite, saí depois das seis da matina). Mas antes de eu mesmo sair de lá com os papéis assinados, os assaltantes já tinham sido soltos. O carro, destruído parcialmente, me custou a tal franquia do seguro.
Mundo paralelo, sabe? Existe, mas a gente não costuma ver.
O segundo mundo paralelo foi este ano. Voltávamos da praia, pela BR-101, chuvinha e tal, e fui abalroado por um carrão, moderno e caro. O sujeito bateu atrás do meu carro e, pura e simplesmente, continuou andando, ao passo que eu, em função da batida, precisei parar para destravar a roda traseira, prejudicada justamente pela ação do cara.
Guardamos uma parte da placa, mas o que se faz nessa hora? Liguei para o 191, creio, disse tudo que podia, inclusive o pedaço da placa, cor e tal; pedi que avisassem o posto policial que há adiante. Adiantou? Não, claro. mandei consertar o carro, e mais uma vez morri com a franquia. O cara? Deve ter permanecido feliz, suponho.
Mundo paralelo, segundo caso.
A terceira vez foi esses dias. Necessitado de atendimento médico, percorri os caminhos necessários, exames, coisa e tal, até que retorno ao médico, para saber dos passos seguintes. Ele lê os exames, dá detalhes etc. Uma selva de informações que deixa o leigo meio tonto. Isso sem contar que estamos nos encaminhando para uma cirurgia, relativamente simples, mas enfim cirurgia. Eu ali, como qualquer paciente, meio fragilizado, tentando entender a minha parte em tudo aquilo.
Feita a consulta, já em casa, umas horas depois recebo telefonema de funcionária do médico. Ela vai me instruir sobre como proceder, documentos e tal. E diz, com naturalidade, que havia "uma diferença". Diferença? "Sim, 4.500 reais, parte para o anestesista e parte para o cirurgião." Mas meu plano de saúde, indago, não cobre? Ela engata uma conversa sobre isso e aquilo, mas sem recuar dos 4.500 por fora. Eu reclamo e digo que me parece um absurdo. "O senhor pode parcelar", me diz ela. Mas eu não quero parcelar, porque não me parece justo pagar essa "diferença". Os profissionais envolvidos já são remunerados pelo meu seguro, não são?
Perdi, entre outras coisas, a confiança no sujeito. Me senti assaltado. Quer dizer que ele pode cobrar assim? E com médico, sabe como é: eles meio deuses, capazes de repor ou tirar a vida...
Mundo paralelo, mais uma vez.
Relatei o caso para vários amigos e parentes – e todos, sem exceção, tinham uma história parecida. Não generalizo para todos os médicos, mas parece que não são poucos os que assim procedem.
Me ocorre uma sugestão para melhorar as finanças do Estado e da cidade: esse "por fora" cobrado pelos médicos, assim como o auxílio-moradia para juízes e promotores que não o merecem por já terem moradia – não sei quantos são, mas não são poucos, parece –, podia ser taxado. Digamos dez por cento. Não dava já um alívio para o cofre público? Só por uns anos, enquanto durar a crise mais dura. Que tal?
Sendo, como são, gente honesta e cumpridora, que promete coisas solenes na formatura, médicos e juízes/promotores darão uma grande mão para a cidadania em geral, nesses tempos bicudos.