O botafoguense, você sabe, tornou-se um sujeito ressabiado. Herança de anos seguidos de resultados ruins, de derrotas inverossímeis. Não é para menos. Neste século, amarga um rebaixamento por década. No mesmo período, conquistou quatro estaduais e, vamos lá, duas Séries B. O que está longe de inflar o peito de orgulho de quem veste uma camisa tão pesada.
Por todo esse contexto, entende-se a euforia dos torcedores com esse começo de Brasileirão. O Botafogo chega à Arena do Grêmio neste domingo (9) como mais do que o líder. Ele é o líder com 84% de aproveitamento, com 11 vitórias em 13 jogos. Com um ataque de 22 gols e uma defesa de apenas sete.
Isso tudo depois de ficar de fora da semifinal do Carioca e ter de disputar, constrangido, a Taça Rio, contra Portuguesa-RJ e o Audax. Por tudo isso, o momento é mesmo de deixar otimista até mesmo os botafoguenses.
Não há milagre por trás dessa guinada do clube. Há trabalho e tempo, uma combinação que dificilmente falha. Depois de 16 meses sob a gestão da SAF, o Botafogo começa a ganhar sua feição. É um bom exemplo para acalmar corações imediatistas, que cobram resultados do dia para a noite das SAFs.
Eles se esquecem de que os novos donos assumem clubes que passaram décadas em caminhos tortuosos, apontados por gestões amadoras. Mudar processos e implantar nova cultura requer tempo, ajustes e, também, correções de rumo. Ninguém vai acertar tudo de primeira quando se implanta uma troca de mundo.
Aliás, essa é uma boa definição para se resumir a transformação pela qual passa o Botafogo neste último ano e meio. Mesmo que estivesse se preparando para receber a SAF, o clube sofreu ao trocar o modelo paternalista de gestão do futebol brasileiro pelos conceitos corporativos e profissionais trazidos por John Textor para fazer seu dinheiro gerar mais dinheiro. Até agora, aliás, ele não viu isso acontecer.
O projeto previa injeção de R$ 100 milhões no primeiro ano e outros R$ 100 milhões em 2023. Na largada, ele colocou R$ 127 milhões do próprio bolso, mais R$ 27 milhões buscados em empréstimo bancário. Portanto, para esse ano, serão apenas R$ 50 milhões. O próprio Textor diz que precisa buscar novas receitas para equilibrar a conta.
Até agora, só colocou dinheiro. Por isso, saiu da Libra e criou, com Cruzeiro e Coritiba, o bloco União. Pretende, assim, negociar seus direitos de forma independente. As placas de publicidade no Nilton Santos já foram comercializadas com a Brax até 2025.
Se as contas ainda estão longe de fechar, pelo menos no campo o trabalho da SAF mostra resultados. Em 2022, foram contratados 42 jogadores (22 para o time principal, 20 para o time B). Quase todos os nomes buscados para o então técnico Luís Castro vieram do Exterior. O que sempre exige tempo de adaptação. Isso explica a ascensão de alguns nomes, como Júnior Santos, Victor Sá e Luiz Henrique.
Tiquinho Soares reafirmou sua condição de artilheiro e virou referência do time. Eduardo, meia trazido do mundo árabe, sofreu com lesões e, agora, justifica a aposta de trazê-lo para ser o toque de categoria. A eles se juntam nomes buscados neste ano, como os Segovias. O mais velho, equatoriano, lateral, busca seu lugar ao sol. O mais novo, paraguaio, caiu nas graças da torcida. Aos 20 anos, driblador e ousado, ganhou até música em ritmo de funk da torcida. Nela, os botafoguenses avisam que o "Segovinha vai driblar você também".
É o estado de graça dos botafoguenses. Estão sorrindo à toa. Nem a saída do técnico Luís Castro, que provocou medo pelo estigma trágico da torcida, abalou a confiança. Bruno Lage, outro português, está chegando. Encontrará um clube que sorri. Como fazia tempo não se via no Botafogo.