Preparem-se para um aquecimento ainda maior nos debates sobre Inter e Grêmio neste final de verão escaldante. Estamos pisando numa semana de um Gre-Nal que chega em um momento no qual os resultados dos dois clubes ainda são opacos. Mas não é só isso.
A chegada de Cacique Medina ao Beira-Rio e o retorno de Roger Machado à Arena colocam, obrigatoriamente, na pauta uma abordagem mais tática e aprofundada do jogo. Quando falo de aspectos táticos, englobo tudo o que compreende esse ecossistema ainda nebuloso para boa parte dos torcedores e até mesmo da mídia especializada, dos movimentos no campo ao glossário de termos que os expliquem.
Estamos com a fortuna de contar aqui na Dupla com dois técnicos de ideias arejadas de futebol e conceitos atualizados sobre o jogo. Mas aviso, de antemão: nada disso estará pronto até sábado de Carnaval. Mais, é um caminho que avançará bem além das águas de março. Portanto, este será um Gre-Nal com poucas conclusões definitivas. Não se prenda ao placar para analisá-lo porque o horizonte é bem mais longínquo.
Grêmio e Inter estão ainda em fase de produção de seus times. Por isso, vemos, no caso colorado, novas formatações táticas, movimentações novas em campo e jogadores escalados em posições diferentes daquelas em que nos acostumamos a vê-los.
Possivelmente, isso se repetirá no Grêmio que Roger começa a esboçar neste sábado, contra o São Luiz. O técnico começa sua segunda passagem pelo clube como se estivesse com uma caneta e uma folha em branco na frente.
O certo é que, nesta largada de 2022, acompanharemos trabalhos com conceitos mais amplos de futebol, que fugirão das fórmulas mais surradas às quais estamos acostumados. Talvez o volante que você se acostumou a ver no meio-campo da Arena vire um médio-apoiador. Ou o lateral-esquerdo do Inter se torne um extrema com a missão de dar amplitude ao time. O extrema virá pelo corredor interno e centroavante, aquele incumbido de marcar os gols, precisará também se concentrar na tarefa de dar profundidade.
Ou seja, esqueça a posição. Atenha-se à função no campo, ao espaço que ocupará. O jogo ficou mais ativo, mais rápido e com mais caminhos bloqueados até o gol. O que faz com que os técnicos construam seus times como se fossem uma máquina humana, em que cada engrenagem precisa cumprir sua tarefa bem específica.
Percebam que estamos lidando com uma mudança de eixo na hora de se analisar um jogo. Não interessa a posição, mas o que o jogador executará em campo. Pode ser que seu lateral-direito, no momento de atacar, vire um volante, como fez Daniel Alves no último jogo da Seleção. Ou que ele recue uns passos e venha cumprir a função de zagueiro, como fizeram Abel Ferreira e Tomas Tuchel com seus laterais na final do Mundial de Clubes.
Nesta semana, mesmo, estava assistindo a Zenit 2x3 Betis, a estreia de Yuri Alberto no clube russo. Sergey Semak, técnico do Zenit, terminou a partida com o volante colombiano Barrios e o lateral-esquerdo brasileiro Douglas Santos formando um trio de zagueiros. Precisava buscar o empate e foi mexendo as peças no campo, explorando as virtudes de cada uma delas para potencializar a capacidade ofensiva do seu time.
Toda essa mudança de abordagem ao tratar de um jogo de futebol repercute na forma como o explicamos e nos referimos aos movimentos no campo. O que faz com que o vocabulário do futebolês se renove e comece a ficar recheado de expressões recorrentes nos vestiários e nos livros sobre tática. São expressões novas ainda para o público em geral.
Está no nosso escopo apresentá-las e traduzi-las neste primeiro momento, até que se tornem corriqueiras. Isso não é novo no futebol, é bom que se diga. Eu cresci ouvindo meu avô, nascido em 1909, falar do center-half para se referir ao volante, enquanto lia na Zero Hora, com meus oito, nove anos, que ele era o centromédio. Logo depois, vi os ponteiros sumirem e virarem o "quarto homem".
O vocabulário do futebol talvez seja a parte mais explícita do quanto o jogo está mudando. É através das novas expressões que vamos registrando as revoluções constantes que o jogo sofre. Ou seja, assim como a sociedade e a língua, o futebol é orgânico e em constante transformação.
Se tudo ao nosso redor se altera, porque só o jogo ficaria congelado em suas eras românticas? Essa é uma discussão que já aconteceu em outras paragens. Creio que, agora, ela chegou para se estabelecer aqui na ponta do sul do mundo, com Roger e Medina como protagonistas.
Pode ser que estejamos um pouco atrasados até, mas antes tarde do que nunca. Será uma viagem intensa e pontuada por debates e confrontos de pontos de vista. Tenho certeza, no entanto, que todos ganharemos: treinadores, jogadores, jornalistas e, principalmente, o torcedor.