A dor domou o Leão. Mais, o fez crescer e virar exemplo. O Leão a que me refiro é o Fortaleza. Com maiúscula do tamanho de sua campanha no Brasileirão. Neste sábado (21), noite de inverno em Caxias do Sul, ele estará no Alfredo Jaconi em busca daquele gol que não veio no pênalti perdido nos acréscimos no 1 a 1 com o Santos.
Com ele, e uma vitória, claro, pode se encarapitar no segundo lugar na tabela, no encalço do novo rico Atlético-MG e à frente do endinheirado Palmeiras. Posso garantir que não será de graça. Nem que essa escalada começou ontem.
Foram oito anos padecendo na Série C. O grande mérito desse Fortaleza talvez seja esse, de aprender com os erros e não repeti-los. Parece até pueril, mas essa é uma prática no futebol brasileiro. Quando, enfim, subiu à Série B, em 2017, o clube sabia que havia ficado atolado lá por causa das eternas brigas políticas e que só chegaria à elite se adotasse uma gestão profissional e continuada.
—A retomada do clube começa em 2015, com Jorge Motta. Conquistamos os títulos cearenses daquele ano e do seguinte. Eu já fazia parte, como diretor de futebol. Em 2017, com acesso à Série B, demos um passo bacana na gestão administrativa, com Luís Eduardo Girão. Assumi no final desse ano, já implantando planejamento estratégico e uma cultura organizacional. Os resultados estão vindo dessa sequência de trabalho, com aprimoramento da gestão a cada ano — explica o presidente Marcelo Paz.
Advogado, 38 anos, Paz trabalhava como gestor em uma escola particular de Fortaleza quando ingressou no departamento de futebol. Trouxe muito do seu método de trabalho para o clube, me conta Alexandre Mota, colunista do Diário do Nordeste e que acompanhou de perto essa transformação do Fortaleza nos últimos seis anos.
Todo esse processo se acelerou a partir de 2018. A chegada de Rogério Ceni não é coincidência. Foi a tacada de mestre. O técnico era cheio de ideias e vontade. O Fortaleza, um campo fértil. Ceni e Paz se afinaram. O Fortaleza subiu como um foguete para a Série A. Fora de campo, buscou de forma obsessiva melhorar sua estrutura. O Pici, antigo estádio, passou por reforma e virou Centro de Excelência. Em Maracanaú, um CT para a base ganhou forma — e foi arrematado com a venda de Everton Cebolinha, filho da terra e do clube.
A gestão ganhou ares empresariais. Há executivos em todas as áreas. Os 15 dirigentes políticos, Paz e seu vice entre eles, também são remunerados. O presidente diz que, no Fortaleza, ninguém trabalha de favor. Desde 2016, o clube tem sua marca própria de uniforme e nove lojas próprias, além do e-commerce.
Porém, no campo, houve sustos. Quando Ceni saiu, em 2019, patinou. Ele voltou e levou o clube à Sul-Americana. O jogo contra o Independiente foi o primeiro oficial de um cearense no Exterior. Em 2020, Ceni saiu de novo. O Fortaleza era o sétimo e despencou. Só escapou do rebaixamento na última rodada.
A direção aprendeu outra lição, a de que era preciso se blindar, ficar independente de nomes e criar conceito de futebol que fosse perene. Na verdade, ele já existia, e ficou claro com Ceni. O Fortaleza gosta do jogo ofensivo, de velocidade e que seja direcionado ao gol. O torcedor, posicionado pela direção no topo da pirâmide, cobra isso. Por isso, veio Juan Vojvoda. Foram 15 dias de pesquisa e entrevistas até se decretar que ele era o cara. Além das ideias de jogo, tinha histórico positivo no La Calera, e no Talleres, ambos de perfil parecido ao do Fortaleza.
Vojvoda caiu como uma luva. Não pediu reforços. Chegou, olhou o vestiário e montou um time que dá gosto de ver. O Fortaleza ganhou o Cearense, briga entre os gigantes no Brasileirão e joga sem medo. O argentino tem um perfil discreto, mas é firme. Para entender mais rapidamente o clube, mora no CT. Ali, mergulha na vida do clube, aprende sobre os ídolos grafitados nos muros e absorve a cultura local. Seu legado no clube está no auxílio para a criação de um centro de dados.
O contrato de Vojvoda tem cláusula de renovação. Paz, no entanto, sabe que o sucesso dele desperta a cobiça de clubes e mercados mais endinheirados. Para não ficar órfão, o clube trabalha na criação da ID do Leão, o modelo de jogo que será adotado daqui para frente. Perguntei a Paz se o Fortaleza mira ser o maior do Nordeste. Eis a resposta:
— Não cabe a gente afirmar somos os maiores do Nordeste. Existem várias formas de avaliar isso. Mas a ambição do Fortaleza, e digo isso de forma respeitosa, é de estar entre os maiores do Brasil, não apenas do Nordeste. Pensamos em ser conhecido no continente, como clube que tenha imagem de participar de competições sul-americanas.
Pela forma que o Fortaleza pensa o futebol e com sua gestão profissional, eu diria que isso está mais próximo do que se imagina.