O Fortaleza pode fechar uma semana histórica. Domingo, teve a goleada de 5 a 1 no Inter. Nesta quinta-feira (10), faz o Clássico-Rei com o Ceará por vaga nas oitavas da Copa do Brasil. Líder do Brasileirão, com 100% e vitórias sobre Atlético-MG e Inter, o clube mudou, com Bahia e Ceará, o mapa do futebol brasileiro.
Na tarde desta terça-feira (8), a coluna conversou com o presidente do Fortaleza, Marcelo Paz. Administrador de empresas, do Colégio Darwin e da Unopar Fortaleza, aos 38 anos ele é a cara de um novo modelo de gestão que faz o Nordeste ser olhado com o devido respeito. Confira.
Qual o tamanho da goleada de 5 a 1 no Inter para o Fortaleza?
Essa vitória é uma afirmação do trabalho. Mostramos que podemos duelar com gigantes. Respeitamos muito, sabemos que o Inter é campeão mundial, tem uma folha muito mais alta do que a nossa, tem estrutura e um estádio maravilhoso. Mas, dentro de campo, fomos superiores. Foi um placar histórico, para se orgulhar muito. É raro, difícil de acontecer novamente. Agora, a gente não pode se empolgar muito. Mas deu para o Brasil ver que o Fortaleza tem competência.
Qual o segredo do sucesso do Nordeste na Série A?
Foi um processo que passa muito pela palavra profissionalização. No caso do Fortaleza, temos processos administrativos muito bem definidos, diretoria remunerada. Não é aquele modelo do "venho para ajudar, quando dá". O presidente, os dois vices os diretores são remunerados. Trabalhamos com um planejamento estratégico anual, com empresa contratada, fazemos workshops nos quais traçamos metas e objetivos para todas as diretorias. Cada uma tem seus objetivos específicos e o que se esperar deles. Acreditamos muito no nosso torcedor, ele é a razão de existir do clube. Temos de ouvi-lo, dar feedback e reconhecermos quando erramos.
Estamos falando de uma torcida muito apaixonada, como é a nordestina.
Nossa tarefa é explorar positivamente essa paixão e direcioná-la para para consumo. Temos nove lojas próprias e o e-commerce. Em resumo, o resultado de agora vem de uma série de fatores que começa com a profissionalização do clube. O clube é uma empresa, tem área de marketing, administração, jurídico, patrimônio, contabilidade, produtos em suas lojas. Tudo isso tem de ser muito gerenciado com foco no futebol. Se a bola não entrar, nada disso tem valor. O time precisa ser campeão, subir de divisão, fazer grandes jogos. Tudo o que é feito no entorno é para que a bola entre. O futebol é multifatorial, mas tudo começa com profissionalização.
Mas todo esse planejamento e a organização servem para que o futebol não seja dependente apenas da sorte, não é?
É um ciclo, para a bola entrar, tudo isso precisa ser feito. Com a estrutura pronta, você vai moldando e melhorando, busca evoluir. Estrutura física é fundamental, assim como a humana. Tem de ter gente qualificada, com o conhecimento para estar no dia a dia.
Como funciona essa remuneração dos dirigentes? Todos são executivos?
Não, todos os dirigentes políticos são remunerados. Ao todo, são 15 pessoas, o presidente, o vice e 13 diretores. Eles atuam como executivos, mas são estatutários remunerados. Dentro de cada área, há o executivos buscados no mercado.
O estatuto foi modificado para permitir essa remuneração?
Ele já permitia, mas nunca havia sido acionada essa cláusula. O pagamento dos salários requer uma aprovação orçamentaria anual. Na peça, há uma rubrica que é a da remuneração. A diretoria ainda está bastante defasada em termos de remuneração se compararmos ao executivos de mercado. Mas é um começo.
O Fortaleza passou a se guiar por um plano estratégico a partir de quando?
Eu já estava no clube antes, no futebol, quando batemos na trave na Série C e caímos para Brasil-Pel, em 2015, e Juventude, em 2016. A minha gestão começou em 2017. O planejamento estratégico anual começou a ser desenhado na virada para 2018. Mas o primeiro ano foi, de fato, 2019.
Nesse período, o Fortaleza melhorou estrutura e passou a contar com um segundo CT. O quanto a parte estrutural faz diferença?
Temos dois espaços, o Pici, que é a sede onde funciona o Centro de Excelência para o futebol profissional, e o CT Ribamar Bezerra, em Maracanaú, na Grande Fortaleza, onde treina a base e o futebol feminino. Há alojamento para 90 pessoas, em 45 apartamentos. O time principal também usa o CT, tem um campo exclusivo para ele em Maracanaú.
Hoje, há um novo redesenho do mapa do futebol brasileiro. Temos casos de jogadores que preferem jogar no Fortaleza, no Ceará e no Bahia em detrimento de camisas mais tradicionais.
Existe um novo eixo, conseguimos ganhar disputa por jogadores que, há poucos anos, não seria possível. O Pikachu é um exemplo. Era um ídolo no Vasco, mas optou vir para o Fortaleza. Mas, mesmo com essa mudança no mercado, a base tem sempre de ser trabalhada.
Como o Fortaleza chegou ao nome de Juan Vojvoda?
Queríamos um conceito, não um nome. Buscávamos um treinador que tivesse conceito de jogo mais agressivo, propositivo, que gostasse de ter a bola e tivesse variação tática. Em resumo, tentávamos algo diferente no mercado. Tentamos trazer o Fernando Diniz, mas ele não quis vir. Começamos a olhar o mercado da América do Sul e de Portugal. Internamente, surgiu o nome do Vojvoda. Era um cara jovem, tinha feitos bons trabalhos em clubes de menor orçamento, como nós somos. Ele foi bem no Defensa y Justicia, no Talleres e no La Calera. Ele estava livre, e fizemos espécie de processo seletivo, para ele conhecer o clube e a o clube conhecê-lo. Nos dias de jogos, mandamos links para que assistisse ao vivo. Por outro lado, buscamos informações de pessoas, como amigos que temos no Chile, para saber da passagem pelo La Calera. Foi um processo demorado, de uma semana.
Na quinta-feira, tem o clássico com o Ceará, pela Copa do Brasil, um rival que está em alta. O Bahia também teve bom começo no Brasileirão. O que esse trio fez para colocar o Nordeste firme no mapa da Série A?
Tudo passa pela gestão. Fortaleza, Ceará e Bahia vêm com boas administrações de algum tempo. O torcedor nordestino sempre foi presente, adora futebol, são massas que frequentam o estádio. Elas compram a ideia quando veem que há uma boa gestão, vêm junto e dão suporte.
A Copa do Nordeste é um símbolo desse crescimento nordestino?
Ela tem uma função importante, oferece cotas bem melhores do que as dos Estaduais, te traz um fôlego financeiro no primeiro semestre. Ainda não é uma cota grande, como a do Paulistão, que paga R$ 4 milhões para os clubes pequenos. Na fase de grupos, recebemos R$ 1,6 milhão. O campeão bate em R$ 3 milhões. Mas a Liga do Nordeste promove, tem peso e essa questão financeira importante. Além disso, eleva o nível técnico. Uma coisa é só jogar o Cearense, outra é encarar Bahia, Sport, CSA, CRB. Agora, insisto, se você não tiver boa gestão, não acontecerá. A Liga abrange o Nordeste inteiro, mas não foram todos que deram o salto.
Como sobreviver a 16 meses sem público?
Está sendo difícil, tivemos de redizer despesas. Não pagamos por nenhum jogador, ou vieram livres ou por empréstimo sem custos. Vivemos esse momento com muita responsabilidade. Tivemos a venda do Cebolinha, que ajudou muito em 2020, além das negociações de Bergson, para a Malásia, e do Júnior Santos, que trocou de clube no Japão e, como tínhamos percentual, embolsamos um valor.