Passados 100 dias sem jogos, Grêmio e Inter unem estratégias de treinos e lidam ao seu modo com as dificuldades financeiras que vieram a reboque da quarentena. Na Arena, onde as finanças estavam bem alicerçadas no processo de reorganização implementado a partir de 2015, há tranquilidade para suportar até setembro.
Já no Beira-Rio, onde a pandemia brecou a recuperação das finanças, a ginástica para manter o clube firme aponta setembro como uma data limite para a retomada das atividades. Se a quarentena passar disso, a situação ganhará contornos de drama.
Romildo Bolzan Júnior e Marcelo Medeiros foram os convidados do Sala de Redação, na terça-feira (23). Dentro da projeto especial da RBS que retrata esses 100 dias sem esportes, deram ao torcedor um raio-X do momento da Dupla. Confira alguns trechos:
Fala, Medeiros
O prazo do Inter
Lá no início (da quarentena), quando enfrenamos esse cenário, e ele cada vez nos traz mais incerteza, fizemos projeções de volta em 30, 60 e 90 dias. Hoje, chegamos a 100 dias sem esporte. O Inter tem fôlego, e trago aqui uma informação: auferimos nosso quadro social, ele cresceu 22%. Entre maio e junho, havia crescido 18%. Os sócios, os patrocinadores, a parcela de TV antecipada, as reduções salariais e a repactuação da imagem dos atletas nos permitem ter um fôlego. Mas ele não será muito longo. Se o futebol não voltar em 45, 60 dias, teremos dificuldades. Nossa situação pode ser dramática.
Vendas de atletas
Trabalhamos na valorização dos nossos ativos. O Inter é formador, sempre tivemos nesse pilar uma base importante da equação financeira. Vendemos o Iago em 2019, que estava em fase mais adiantada (de maturação). Esperamos não ter de depreciar nenhum atleta. O Inter será obrigado a vender jogador. Temos de trabalhar com zelo e cuidado, mas não escaparemos da venda de um atleta na metade do ano.
MP 984
Entendemos que uma matéria para ser aprovada como MP tem de atender a dois requisitos: o da urgência e o da relevância. Em razão de tudo o que está acontecendo, de questões sanitárias, de pessoas morrendo por contaminação pela covid-19, de empresas fechando porque não podem atuar, pela crise econômica, há outros assuntos a serem tratados no cenário nacional. E não é o momento do assunto do futebol, embora entenda que a questão do televisionamento abranja a saúde dos clubes. Essa MP pode ser tratada através de projeto de lei, não tendo a urgência que ganhou.
Salários atrasados
Deu-se uma exposição excessiva por duas semanas de atraso. Devemos quitar nesta semana o mês de maio, com essa linha de crédito da CBF, que não se esgota agora, continuará em julho e agosto. Esse é o nosso fôlego financeiro. Independentemente da venda de atleta, da receita do quadro social, o clube tem crédito no mercado para saldar seus compromissos. Todas obrigações com funcionários estão em dia. Nesta semana, quitaremos também a primeira parte dos direitos de imagem. Março, abril e maio foram negociados com o grupo para serem pagos a partir de janeiro de 2021. Temos de voltar a ter nossas atividades. Se fechar uma empresa por 60, 90 ou 120 dias, o destino dela não será bom. O dinheiro liberado pela CBF tem um limite. É eterno enquanto dura.
Volta do Gauchão
Os modelos e os protocolos sanitários da Dupla, que trabalha junto desde o início, foram os melhores possíveis. Nos permitem ter a maior segurança possível para voltar a trabalhar. Recebemos visitas da vigilância sanitária, do secretário da saúde. Ele aprovou os protocolos de Grêmio e Inter. A rotina aqui prova que os atletas estão em ambiente saudável, os familiares deles também são aferidos. Os atletas vivem em ambiente distinto ao dos demais cidadãos, não usam transporte coletivo, raramente vão ao supermercado. Vão de casa para o trabalho e vice-versa. O retorno do futebol será sem público, uma partida não terá mais do que 150 pessoas, isso em estádio aberto, ao ar livre. O futebol pode preencher um espaço que está faltando nas nossas vidas, do entretenimento. É um produto cultural do país e move um mercado.
Fala, Romildo
O prazo do Grêmio
Já passou a ser um problema muito além do futebol, do campo, mas de sobrevivência. O Grêmio se preparou. Em meados de março, fizemos o diagnóstico para enfrentar a paralisação. Já atravessamos abril, maio, junho. As medidas que tomamos foram suficientes. O Grêmio se mantém equilibrado, consegue superar com as várias medidas tomadas. Entraremos na segunda onda, que englobará de julho a setembro. Vamos ampliar medidas e seguimos na expectativa de retomar os treinos de contato. Depois de 100 dias, ainda discutimos isso, enquanto na Europa já se joga o futebol sem público. Esse é o Brasil, em que decisões dos governantes, por mais que as respeitemos, têm muito temor e cautela.
Vendas de atletas
Temos de realizar entre R$ 50 milhões e R$ 60 milhões em vendas. Se fosse pelo valor original, seriam R$ 70 milhões. Acho que o Grêmio atinge esses valores com a venda de um atleta para o Exterior. E ela terá de ser feita, temos de vender. Talvez seja necessária uma segunda. Se for preciso se desfazer de mais de um, faremos. Desde que seja dentro de situação positiva para o jogador e o clube. Vivemos uma situação de excepcionalidade. Um clube forte requer decisões. Agora, não estou vendo, pelo que chega para nós, que a pandemia será fator de rebaixamento de valores. Quem nos demanda não usa isso para fazer preço.
MP 984
Hoje, a consequência é muito pequena. Quem tem contrato com a Globo, vai levá-lo até 2024. Com a Turner, é quase o mesmo. A MP tem a ver exclusivamente com a questão do Campeonato Carioca. Paramos por aí. Se tivermos tempo para estabelecer ampla discussão, no sentido de regulamentar tudo, de incentivar a busca por interesses coletivos dos clubes, que temos de fazer é jogar essa MP dentro de uma legislação que tramita no Congresso desde 2017, que regularia todo o desporto nacional: direito de imagem, intermediação de negociações, reformulação da Lei Pelé, regulamentação dos direitos de transmissão, streaming, enfim, tudo o que pode imaginar e mais um pouco. A MP, o que teve de positivo, é que atropelou tudo e fez o Congresso tomar uma atitude. Vamos trabalhar a ideia política de simplesmente levar essa matéria para dentro do PL, com a proposição de votar, com amplo debate, até dezembro.
Volta do Gauchão
Há três semanas, entregamos ao prefeito um protocolo de volta aos treinos (coletivos) com aumento progressivo do número de jogadores. Depois, tivemos uma conversa, em que participaram também o presidente do Inter, Marcelo Medeiros, e médicos dos dois clubes, com o prefeito e chefes do comitê de crise. Eles ficaram de examinar. Só que houve esse retrocesso do ponto de vista geral da sociedade. Agora, se o futebol ficar na linha sociedade em geral, das ações feitas para ela, não voltaremos a jogar neste ano. Essa é a verdade. Colocamos uma fábrica com 100 pessoas, ou 50, a trabalhar e não colocamos o futebol com 25 atletas, mais corpo técnico e funcionários, todos testados. Estranha muito, mas o que vamos fazer?
Dinheiro do Arthur
Fizemos avaliação na segunda-feira, no Conselho de Administração, das questões financeiras do clube. Com os R$ 10 milhões que virão da linha de crédito da CBF, temos condições de levar até setembro. Trabalhamos bem essa situação por conta das medidas que tomamos. Esse recurso do Arthur seria referente aos 3,5% da venda dele do Barcelona para a Juventus. Mas perderíamos bônus que temos previsto em contrato com os espanhóis. Se venderem, automaticamente, eles têm de passar a nossa parte. Esperamos que ela seja rapidamente paga.