Estamos vivemos momentos e situações que às vezes nos trazem a necessidade de comentários urgentes, claros, protetores da emoção e da sensibilidade. Comentários que sirvam de companhia e ânimo. É assim Âmbar – Os Afluentes da Música, quinto álbum do cantor, compositor e violonista paulistano Edson Natale. Reunindo alguns dos melhores músicos brasileiros, unindo música e poesia, filosofia e humanismo, o disco pode ser visto como uma sinfonia em sete movimentos que dialogam entre si, levando a um resultado vigoroso e encantatório. Grande música, para além dos rótulos “popular” e “erudito”. Difícil ade descrever, mas ao entrar na primeira faixa já o ouvinte entenderá por que estou dizendo isto.
— Fiz para ser como um abraço nos amigos e amigas, nas pessoas — resume Natale. — O que há de ser mais importante do que um abraço nestes tempos bolsovírus?
Âmbar foi gravado antes da angústia da pandemia, mas tem um sentimento que parece antecipá-la. As letras/poemas, cantadas/recitados, evocam personagens da cultura que são como guias, lanternas, os guardiães das palavras, os Mários Quintana e de Andrade, Drummond, Clementina de Jesus, Inezita, Jorge Amado, Darcy Ribeiro, Graciliano, Mané Bandeira, Mãe Menininha, Leminski, Boal, Ilê Ayê... Já perdemos muito tempo perdendo tempo, poderia ser um resumo de tudo. “Cada lugar é, a sua maneira, o mundo”, diz outra letra/poema, situando: “Brumadinho, Mariana, Raposa Serra do Sol, terreiros, mesquitas, sinagogas, igrejas, Alepo, Ramalah, Estelita, Xingu”...
Títulos dos sete movimentos, todos iniciados pela palavra Afluentes: das Diferenças, dos Lugares, do Futuro, das Contradições, das Intuições, dos Afetos e das Festas, das Palavras. A música que envolve ou sublinha as ideias não se parece com nada que tenhamos ouvido antes. É uma poderosa criação coletiva que eu apressadamente chamaria de “world music”, pois está embebida tanto da música brasileira como da clássica e das sonoridades orientais. Entre os músicos circulam Ná Ozzetti, Vanessa Moreno, Toninho Ferragutti, Nailor Proveta, Maurício Pereira, Paulo Freire, Alex Braga, Tuco Marcondes, Webster Santos, Lincoln Antônio, Maurício Badé e Gustavo Ruiz, que divide com Natale a direção-geral.
Âmbar é uma amostra da delicadeza e da afetividade de que tanto nós como nosso país necessitamos.
Paulinho Cardoso: gauchesco e universal
Um dos mais completos acordeonistas brasileiros, o caxiense Paulinho Cardoso chega ao terceiro álbum, Cotidiano, com um trabalho instrumental de alto nível na projeção da música de raiz gaúcha para o âmbito daquilo que se costuma chamar de jazz — na verdade, arranjos com espaço para o improviso e sem as amarras do regionalismo propriamente dito. Seu quarteto tem instrumentistas de diferentes formações que conhecem o percurso dos voos: Zé Ramos na guitarra, Miguel Tejera nos baixos elétrico e acústico, Dani Vargas na bateria. Mais, neste caso, os convidados Bruno Coelho (percussão), Antônio Flores (guitarra), Pedrinho Figueiredo (sax soprano) e Cristiano Ludwig (sax tenor). Tá bom assim? Só bambas.
Daí o disco flui que é uma beleza. Até porque Paulinho não é daqueles gaiteiros que ocupam todos os espaços dos arranjos. Ele deixa a música respirar, os solos são equilibrados e pontuais. Aprendeu tocando com muita gente (como o grupo Rock de Galpão) e no tempo em que circulou pela Itália (de 1996 a 2000), com um duo formado lá, de acordeom e violino. No novo álbum predominam os “aires”, como dizem os hermanos. Aires de chamamé (principalmente), aires de valsa, em temas bem construídos e de feliz inspiração melódica, como Música de Viagem, Tardecita e Canto do Guaíba. O único momento gauchesco explícito é a dançante Vaneira Borgeana, homenagem à altura de Luiz Carlos Borges.
Antena
CORAÇÃO BRASILEIRO, de Silvério Pontes e Antonio Guerra
Quando tiveram a oportunidade de tocar juntos, o experiente trompetista Silvério Pontes e o jovem pianista Antonio Guerra, ambos cariocas, se “descobriram”. A união dos dois instrumentos, usual no jazz e na música de concerto, é rara na MPB. Neste álbum sofisticado eles mostram que pode dar certo. Coração Brasileiro é uma viagem por épocas distintas da música brasileira, de um choro antigo de Pixinguinha, Desprezado, a um novo de Aldir Blanc e Guinga, Choro pro Zé, passando por uma valsa de Radamés, Papo de Anjo e uma milonga (!!!) de Silvério com o violão do convidado Yamandu Costa, Gaudérios. Tem um samba de Chico e João Bosco, Sinhá, e ares de frevo em Saudades de Pernambuco, de Guerra. Um must! (Kuarup Música, R$ 25)
SOUL SAMBA ROCK, de Hyldon
O baiano Hyldon tornou-se conhecido em 1975, com o sucesso Na Rua, na Chuva, na Fazenda. A partir daí seria um sempre citado representante do soul brasileiro. Mas não é apenas isto, como desde o título mostra este 16º álbum. A primeira faixa, República das Bananas, é um mix de salsa e reggae com letra de forte conteúdo social, uma das tônicas do disco: “Nossa Senhora de Guadalupe, Nossa Senhora de Aparecida, Padim Ciço e Santa Dulce/ Protejam os homens pretos e pobres da América Latina”. Em 50 Tons de Preto vem o samba-rock. Cada Um na Sua Casa, parceria com Arnaldo Antunes, é bem pop. Tem rap (parceria com Rappin’ Hood), rock, canção romântica, blues. Bons músicos e arranjos. Hyldon é atual, não perdeu o pique. (DPA Discos)
BILLYNHO BLANCO, do próprio
Filho de Billy Blanco (1924-2011), autor de alguns clássicos da MPB, só agora, com 30 anos de estrada, o compositor e pianista/violonista Billynho Blanco lança o primeiro álbum solo. Começou a carreira nos EUA, onde viveu por seis anos e tocou com gente como Richie Havens e Yoko Ono. Nas décadas de 1990 e 2000, atuou em casas noturnas cariocas e depois levou seu show de bossa nova e jazz a Paris. Para o disco, selecionou músicas próprias (com vários parceiros), mesclando bossa e pop em títulos como Pedra da Gávea, Mes Amis (em francês) e Let’s Be Strangers Again (em inglês). De outros, canta O Nome da Cidade (Caetano Veloso) e Onda (de seu pai). Billynho tem uma agradável voz “pequena” e a seu lado estão ótimos músicos. (Kuarup Música, R$ 25)