Em dezembro de 2015, o texto de abertura desta tradicional enquete, que há mais de 15 anos reúne críticos musicais de diversos veículos, terminava assim: "Este formato de seleção dos discos do ano talvez seja o último. Manifesta-se entre alguns colaboradores um desconforto em eleger os 'melhores', entre tantas diferenças". Além disso, havia um limitador, pois os críticos deveriam listar somente discos físicos lançados no Brasil. No mês passado, após uma rodada de confabulações, decidiu-se que a partir de agora vale tudo, ou quase tudo, podendo as listas incluir álbuns físicos e digitais editados ou não nacionalmente – ainda não aceitamos EPs...
Mas, se deixou os colaboradores mais à vontade, sem a pressão de avaliar os trabalhos atentos a um senso mais ou menos comum do "mercado", tipo "tal disco não pode ficar de fora", o novo formato, como se vê nestas páginas, sofreu uma mudança não mais do que sutil. Com quatro menções cada, os álbuns Tropix, da cantora Céu, e Todo sentimento, dos instrumentistas Mauro Senise e Romero Lubambo, despontaram nas escolhas. A diferença é que não serão apontados formalmente na enquete como os "melhores do ano", e sim como indicações de críticos experientes, todos com mais de 30 anos escrevendo sobre música.
Mesmo que os sete jornalistas tenham em média opiniões semelhantes sobre as movimentações musicais de hoje, as listas refletem com nitidez os gostos pessoais de cada um. Quando digo que gosto de música boa, o Arthur de Faria me provoca, pedindo que eu defina "música boa". Pois é o que está nessas sete listas. Partindo de uma relação inicial de quase 150 álbuns de diversas extrações, nada menos que 53 deles foram indicados, 10 com duas citações e o restante com apenas uma. Daí me pergunto: que opiniões semelhantes são essas? Na lista de Carlos Calado, só um disco aparece em outras. Idem em minha lista.
Pedi a cada colaborador algumas linhas sobre suas escolhas – que ainda têm o limitador dos 10 álbuns, e disso não sei se sairemos. Em minha lista, ao vê-la depois das dores da guilhotina, percebi que lá estavam seis cantoras-compositoras muito diferentes entre si. Sou apaixonado por cantautoras. Mais duas bandas pop atualizadas, incisivas em seus departamentos, e dois discos instrumentais em tudo díspares, mas no fim das contas complementares. Nenhum cantor-compositor; estranhei: onde estão eles, que marcaram a MPB durante 50 anos? Nas listas, aparecem quase como figurantes, deixando espaço para ampla variedade.
A relação inicial de 150 álbuns já era um suco. Muitos bons discos, nacionais e internacionais, não entraram nos 53. Uma prova de que a saúde da música passa ao largo da doença da indústria fonográfica, que dominou o mundo por um século. Estamos no início de um processo de fenecimento/renascimento que nenhum André Midani poderia prever, nem um Bill Gates ousará profetizar até onde vai.
E, para fechar a conta, abro um precedente: a minha lista tem 15 indicações, pois acho injusto que cinco grandes DVDs lançados em 2016 não sejam registrados.
Os campeões
Os dois discos mais votados da enquete da coluna, com quatro citações cada
Tropix – Céu
Pop, Som Livre, 12 faixas, R$ 29,90 em média. Disponível nos serviços de streaming.
Todo sentimento – Mauro Senise e Romero Lubambo
Instrumental, Fina Flor, 13 faixas, R$ 29,90. Disponível em streaming.
A lista do colunista
10 discos de 2016
>Ana Paula da Silva – Raiz forte (Crioula Brasil/Tratore)
>Bataclã FC & Mastigadores de Poesia (Sete Sóis/Tratore)
>Céu – Tropix (Slap/Som Livre)
>Cristina Braga & Brandenburger Symphoniker – Whisper (Biscoito Fino)
>Filarmônica de Pasargada – Algorritmo (ProacSP/Coaxo de Sapo)
>Gisele De Santi – Casa (Bell'Anima/Tratore)
>Julia Bosco – Dance com seu inimigo (Coqueiro Verde)
>Quartchêto (independente)
>Serena Assumpção – Ascensão (Selo Sesc)
>Vitor Araújo – Levaguiã Terê (Natura)
5 DVDs
>Elba Ramalho – Cordas, Gonzagas e afins (Natura/Coqueiro Verde)
>Maria Bethânia – Abraçar e agradecer (Biscoito Fino)
>Pirisca Grecco – Comparsa Elétrica – O filme (Minuano Discos)
>Renato Borghetti Quarteto – Gaita na Fábrica (Estação Filmes)
>Shana Müller – Canto de interior (Estação Filmes)
Quem escolheu o quê
Antonio Carlos Miguel
Crítico musical no Rio de Janeiro, mantém um blog no portal G1 e é membro votante do Grammy Latino
O que conhecíamos como indústria do disco até o início do século 21 mudou radicalmente. As gravadoras praticamente não mais produzem, apenas distribuem seus ricos catálogos ou o material que recebem pronto de artistas. O novo público migrou para o streaming, onde a oferta é quase infinita. Álbuns físicos resistem, mais como cartão de visitas para a venda de (e em) shows. Nesse mundo virtual, sem fronteiras, chegamos a quase tudo com apenas uns toques no mouse, daí minha lista não se prender só ao que foi editado no Brasil.
-Aline Frazão – Insular (Norte Sul)
-Bruno Capinan – Divina graça (Joia Moderna/Tratore)
-Bruno Pernardas – Worst summer ever (Pataca Discos)
-Carminho canta Tom Jobim (Biscoito Fino)
-César Lacerda e Rômulo Froes – O meu nome é qualquer um (YBMusic/Circus)
-Ed Motta – Perpetual gateways (Lab 344)
-Gregory Porter – Take me to the alley (Blue Note)
-Melody Gardot – Live at The Olympia, Paris (Universal)
-Philippe Baden Powell, Daniel de Paula, Bruno Barbosa e Rubinho Antunes – Ludere (Canto do Urutau/Tratore)
-Zé Renato, Jards Macalé, Guinga e Moacyr Luz – Dobrando a Carioca (Biscoito Fino)
Carlos Calado
Crítico musical dos jornais Folha de S. Paulo e Valor Econômico
Já que abandonamos, enfim, o pretensioso hábito de eleger 'os melhores do ano', resolvi fazer um pouco mais de justiça em minha lista. Há anos tenho notado que, embora quase não seja contemplado nos balanços de final de ano, o segmento da música instrumental brasileira tem exibido inovação, criatividade e substância como nenhum outro. Por isso, dedico minha lista a 10 saborosos discos de música instrumental, que poderiam ser 20, 30, 40...
-Alexandre Ribeiro – De pé na proa (Borandá)
-Gian Correa – Remistura7 (YBMusic)
-Leandro Cabral Trio – Alfa (independente)
-Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz – A saga da travessia (Selo Sesc)
-Louise Woolley – Ressonâncias (independente)
-Marcos Paiva e Daniel Grajew – Bailado (YBMusic)
-Mauro Senise e Romero Lubambo – Todo sentimento (Fina Flor)
-Nailor Proveta – Coreto no Leme (independente)
-Quinteto do Zé – Sem massagem (independente)
-Trio Corrente – Vol. 3 (independente)
Irlam da Rocha Lima
Crítico musical e editor de música do Correio Braziliense
Mesmo diante da crise da indústria, os artistas seguem produzindo sem parar. Tanto os ainda ligados às majors quando os ditos independentes foram responsáveis por um expressivo número de CDs em 2016. Nem todos conseguem ter o trabalho devidamente divulgado na mídia impressa, por meio de avaliação crítica ou resenha. Alguns nem chegam a ser ouvidos. Todos os que fazem parte da minha lista receberam atenção do Correio Braziliense. Há uma variedade de gêneros e propostas que servem para reafirmar a riqueza musical do país.
-António Zambujo – Até pensei que fosse minha (Som Livre)
-Casuarina – 7 (independente)
-Céu – Tropix (Slap/Som Livre)
-Hamilton de Holanda – Samba de Chico (Biscoito Fino)
-João Donato – Donato elétrico (Selo Sesc)
-Maria Bethânia – Abraçar e agradecer (Biscoito Fino)
-Mauro Senise e Romero Lubambo – Todo sentimento (Fina Flor)
-Pedro Miranda – Samba original (independente)
-Renato Borghetti Quarteto – Gaita na Fábrica (independente)
-Zé Renato, Jards Macalé, Guinga e Moacyr Luz – Dobrando a Carioca (Biscoito Fino)
Kiko Ferreira
Crítico musical do jornal Estado de Minas
Minha lista deste ano está mais eclética do que a dos anos anteriores, acredito. Misturei uns clássicos que permaneceram ativos e fortes (Dylan, Stones, Cohen até morrer), discos instrumentais muito interessantes, como os que marcam as estreias dos grupos gaúchos Tratak e Instrumental Picumã, e um já rodado seguidor da geração do samba rock de Bedeu e Luís Vagner (Tonho Crocco). Espero que gostem.
-Arthur Dutra & Zé Nogueira – Encontros (MP,B)
-Bob Dylan – Fallen angels (Sony Music)
-Eduardo Neves & Rogério Caetano – Cosmopolita (Borandá)
-Instrumental Picumã (independente)
-Leonard Cohen – You want it darker (Sony Music)
-Luiz Millan, Moacyr Zwarg, Michel Freidenson, Teco Cardoso – Dois por dois (independente/Tratore)
-Mauro Senise & Romero Lubambo – Todo sentimento (Fina Flor)
-The Rolling Stones – Blue & lonesome (Universal)
-Tonho Crocco – Das galáxias (Momo King Records)
-Tratak (independente)
Roger Lerina
Colunista e crítico de música e cinema de Zero Hora
A iminência do fim e o luto estão em três destaques do ano: David Bowie e Leonard Cohen lançaram seus testamentos discográficos pouco antes de morrer, enquanto Nick Cave gravou uma elegia ao filho morto. E os septuagenários Rolling Stones mostraram vitalidade. No cenário local, Céu e Gisele De Santi honraram a tradição de inquietação das cantoras nacionais. O português António Zambujo reverenciou com elegância Chico Buarque. A inventividade da música instrumental foi bem representada pelos trabalhos de Lourenço Rebetez, Hurtmold e Paulo Santos e Zé Nogueira e Arthur Dutra.
-António Zambujo – Até pensei que fosse minha (Som Livre)
-Arthur Dutra & Zé Nogueira – Encontros (MP,B)
-Céu – Tropix (Slap/Som Livre)
-David Bowie – Blackstar (Columbia Records)
-Gisele De Santi – Casa (Bell'Anima/Tratore)
-Hurtmold e Paulo Santos – Curado (Selo Sesc)
-Leonard Cohen – You want it darker (Sony Music)
-Lourenço Rebetez – O corpo de dentro (independente/Tratore)
-Nick Cave & The Bad Seeds – Skeleton tree (Bad Seed Ltd.)
-The Rolling Stones – Blue & lonesome (Universal)