O Exército Brasileiro é essencial e majoritariamente legalista. Claro que o Exército Brasileiro já saiu da caserna ao raiar do dia para derrubar regimes constitucionais – o que, independentemente do ladrar de quem quer que seja, tem um só nome: golpe militar. Pode-se chamar tais ações de “proclamação da República”, de “Revolução de 30”, de “Estado Novo” ou de “movimento de 1964”. Mas foram, todos eles, golpes militares. Sejam golpes brandos (1889), golpes brancos (1946), golpes baixos (1937) ou golpes duros (1964/68), configuram a tomada do poder manu militari. E não se fala mais nisso.
Ocorre, porém, que todas as vezes em que se meteu nessas “aventuras políticas”, o Exército Brasileiro o fez instado e induzido pela sociedade civil – ou por setores dela, em geral a classe média, o empresariado, a imprensa e a Igreja, que representaram mais de uma vez o papel de “vivandeiras de quartel”. Mas, diferentemente dos exércitos da Bolívia, da Venezuela e até do da Argentina, as Forças Armadas brasileiras jamais deram o primeiro passo, nem o primeiro tiro, sem que o “clamor das ruas” as compelisse a fazê-lo.
O Império sempre desprezou o exército – desde a independência, pois a maior parte da tropa era constituída por oficiais estrangeiros ou portugueses. A Regência tinha ojeriza ao exército – e tratou de esvazia-lo criando a Guarda Nacional e dando origem ao “coronelismo”. O Segundo Reinado seguiu malbaratando a tropa e cobrindo de privilégios a “Armada”, ou Marinha. Mas quando chegou a hora de chafurdar na Guerra do Paraguai, forçou a soldadesca a dizimar uma nação. E foi naquele charco que o Exército Brasileiro forjou sua consciência de classe. Mas seguiu levando desaforos para caserna: a “questão militar” de 1883; seus desdobramentos em 1887, que resultaram na transferência de Deodoro da Fonseca do Rio Grande do Sul para os cafundós do Mato Grosso, a demissão do coronel João Mallet pelo visconde de Ouro Preto. Até que em 15 de novembro de 1889 aconteceu o que qualquer secundarista sabe – ou deveria saber.
Daquele dia em diante o Exército tornou-se um “player” no xadrez (e no xilindró) da política brasileira. E lançou-se nas tais “aventuras políticas” que o fizeram sair dos quartéis para deflagrar “movimentos” que, embora sob diferentes designações, nunca deixaram de ser golpes militares. Todos com o apoio ou incentivo de parcelas da sociedade civil. Mas, justo por ser majoritariamente legalista, o Exército Brasileiro não iria se meter em outro 1º de abril – até porque hoje é dia 2. E também porque se escutar “o clamor das ruas”, sairia da caserna não para derrubar o governo, mas para afastar dele um capitão que já foi expulso da tropa.
E esse seria então, um golpe de sorte.