Sou obcecado por vistas aéreas. Como moro no avião, não desgrudo o olho da paisagem. Assim, me arvoro a declarar (com pitada de exagero) que, depois de tanto estudar em terra e de observar do ar, sei o nome de todos os rios, a altura de todos os morros, a constituição de todas as serras e a designação de todas as praias que vão desde o Guaíba (de onde em geral decolo) até o seio da baía de Guanabara (em meio à qual pouso).
Se por acaso não consigo lugar na janelinha, pobre do infeliz que tomou o assento que deveria ser meu por direito: me debruço sobre a criatura, quase sento no seu colo, apontando, enumerando, inventariando e delirantemente descrevendo a paisagem, cuspindo informações e perdigotos até o sujeito: 1) me ceder o lugar ou 2) baixar de supetão a maldita lâmina plástica que faz as vezes de persiana. Mas confesso que também há gente que se mantém impávida, refletindo, com seus botões, como é que deixaram a mala de 80 quilos entrar na cabine, em vez de despachá-la.
Pois sendo assim minha vida aérea, é claro que adoro os programas da série Visto de Cima. Por isso, após acompanhar Mundo Visto de Cima (voando por EUA, Espanha, Inglaterra e Áustria) vibrei quando, há uns três anos, foi ao ar (!) seu congênere nacional, Brasil Visto de Cima. Ao assistir à série brasileira, pude voar muito além da rota Porto Alegre-Rio e ver o país de cima a baixo. Literalmente.
A questão é que quem, como eu, seguiu as quatro temporadas como se fosse Game of Thrones parece ter sido empurrado (do avião?) rumo a uma só conclusão: que país bem chinelão é o Brasil, cara! Sério! Um lugar suburbano, periférico, imperfeito e inconcluso onde tudo é feito nas coxas, de improviso e sem planejamento. E o pior é que segue em obras – que, além de atrasadas, foram superfaturadas. Visto de cima, o Brasil parece uma enorme trincheira da Anita: começou errado e foi piorando.
As grandes cidades se expandem sem ordem (nem lei) e as pequenas seguem a trilha. Os rios que as cortam estão turvos, quando não podres: esgotos a céu aberto. Nas cidades do interior, estações ferroviárias jazem em ruínas e belos prédios erguidos entre os anos 1920 e 1940 caem aos pedaços, gotejando um suor de pedra. As cidades que "deram certo" exibem shoppings horrendos, prédios de 30 andares e avenidas engarrafadas – sinais do progresso. E o campo regurgita recoberto de soja, pínus ou eucaliptos.
As coisas melhoram se saímos do domínio urbano ou das mãos do agronegócio rumo à natureza intocada. Mas daí você pensa no ministro do Meio Ambiente, Mauricinho Salles, todo engomado, disposto, entre outros desatinos, a extinguir o Fundo Amazônia, e percebe que este país vai comendo a mata pelas bordas. Mas sou homem esperançoso. Acredito que tão logo a trincheira da Ceará fique pronta, tudo há de melhorar. E o Brasil visto do alto vai luzir feito a Suécia...
Só não me peça para desembarcar. Estou bem aqui por cima.