Não faz muito, o ambiente beirava o ufanismo. Quantos gaúchos não experimentaram, em algum momento, a sensação de como seria o Gre-Nal do fim do mundo, decidindo a Copa do Brasil ou vaga na final da Libertadores? Durante algum tempo, trabalhamos com essa ideia. Acreditamos nela de verdade.
E, se o Gre-Nal universal e emblemático tampouco viesse, o plano B era o fim da gangorra, com as duas pontas da rivalidade fechando o ano campeãs nos mata-matas. Nós, os farroupilhas bons, justos e idealistas, ensinaríamos aos imperiais maus, falsos e interesseiros como se forjam os verdadeiros heróis. Alimentamos esse devaneio, cada um à sua maneira, entre dirigentes, jogadores, imprensa e torcedores.
Comecemos o Gre-Nal da soberba pelo Inter
Quando viu o Athletico-PR como último obstáculo na Copa do Brasil, o universo colorado teve certeza de sua condenação ao êxito. O Beira-Rio rugiria feito leão africano amedrontando quem se atrevesse a desafiá-lo. A camiseta, mais pesada, amassaria os sempre fregueses paranaenses. Um alinhamento astral: os grandes títulos sempre vieram em casa, desde a máquina dos anos 1970.
A ideia de não se importar tanto com uma eventual derrota no primeiro jogo, em Curitiba, passou por essa crença, que acabou distorcendo o mundo real. Perder “só” de 1 a 0 passou a não ser grave. O Beira-Rio, esse goleador de aço e concreto, resolveria tudo. Ou levaria para os pênaltis, no mínimo isso. Não foi assim contra o Palmeiras?
Enfrentar o Flamengo no Maracanã, pela Libertadores, com Guerrero tendo de se comunicar com seus companheiros por WhatsApp, tal o isolamento no ataque, tornou-se algo razoável. Houve quem acreditasse sinceramente na reversão em casa após a derrota por 2 a 0. Um devaneio, vamos combinar. Essa chance nunca existiu, hoje nós sabemos. Veio a final da Copa do Brasil, contra um adversário de menos tradição. Este, certamente, tremeria com o rugido do leão. Bastava se fechar direitinho fora e decidir em casa. Fórmula infalível, desta vez. Uma coisa é o rubro-negro carioca. Outra, bem diferente, é o do Paraná. Vamos aos fatos: em quatro jogos contra o Athletico-PR este ano, o Inter perdeu três e empatou um. Quem é melhor?
A soberba do Grêmio foi ainda mais aguda
Talvez esta soberba explique o 5 a 0 para o Flamengo, um time muito superior. Mesmo após o empate na Arena, da maneira como ocorreu, com três gols anulados pelo VAR, o Grêmio seguiu com o discurso de melhor futebol do Brasil. E não só pela voz de Renato. Todos falaram demais. Enquanto no Flamengo o otimismo se restringia aos torcedores, no Grêmio até o presidente Romildo Bolzan Júnior entrou no ritmo do excesso de confiança.
Ele disse, cercado de gremistas que, claro, o aplaudiram: “será reconfortante passar pelo Flamengo e ser campeão da América”. Obviamente, Romildo não tem nada de arrogante. Seu perfil é o oposto, inclusive. Mas o ambiente o levou a arriscar a frase. Imagine o contrário: um dirigente carioca, seja qual for o contexto, dizendo algo do gênero. Qual seria a repercussão na Província de São Pedro?
Criou-se um clima de que, na hora agá, o Grêmio copeiro ressuscitaria para esmagar a faceirice do Flamengo. Deu problema? Só chamar a imortalidade, sempre pronta a desenhar cenas épicas. Algo assim como a pureza d’alma do Grêmio contra os poderosos e sem mérito cariocas. E o pior é que o tombo no Maracanã foi reincidência.
O Grêmio pisou a Arena da Baixada, na Copa do Brasil, após abrir 2 a 0 em casa, certo de que a classificação viria por justiça divina. O time suou menos, como se a beleza acadêmica dos passes certos revogasse a necessidade das lides operárias. Parecia que voltar para marcar era feio. E que correr, em vez de trotar com elegância, não era digno do futebol mais belo do Brasil.
Sonhamos com um Gre-Nal universal e acordamos metidos em um clássico paroquial, delirante, no qual a taça é um terminar o domingo uns pontinhos à frente do outro, brigando pela quarta e a última vaga direta à Libertadores. Só para a soberba não tomar conta de quem ganhar, e até prejudicar o resto da luta por G-4, vale lembrar: a vantagem do Flamengo sobre Grêmio e Inter passa de 20 pontos.
Pezinho no chão, portanto. Está faltando bola.