Estava conversando com uma enfermeira experiente, e ela me contou que, às vezes, ao caminhar pela rua, vê o braço de alguém e pensa: “Que veia boa para puncionar tem aquele ali!”
A vontade que ela sente é de deter a pessoa e dizer:
— Me desculpa, mas vou ter que te dar uma puncionada!
E já tiraria da bolsa a agulha e o garrote e já picaria aquela veia tão formosa e oferecida.
E você? Alguma vez você imaginou que, ao passear com os braços nus por aí, despertaria em alguém o desejo de puncioná-lo?
É evidente que não imaginou, porque você não sabe nada sobre a rotina da enfermagem, só sabe sobre seu próprio trabalho.
Tempos atrás, estava pensando no meu médico, o André Fay. Ele passa o dia vendo nódulos, micronódulos e tumores, passa o dia ouvindo queixas das pessoas, e não são quaisquer queixas, é coisa séria: o André é oncologista. Pois bem. Como se sentirá um oncologista ao entardecer, depois de ter lidado com a dor, miséria humana e, não raro, com a morte?
Foi o que perguntei para o André, e ele me respondeu:
— Às vezes é duro, mas, quando posso ajudar uma pessoa, compensa.
Fiquei ponderando sobre aquilo. Essa sensação, de livrar uma pessoa da dor ou mesmo de salvá-la da morte, deve ser, de fato, algo especial. É o tipo de recompensa que não terei com o meu trabalho, eu que passo o dia inteiro escrevendo, manuseando advérbios e adjetivos, em vez de fazer alguma coisa realmente importante, como estancar uma metástase.
Um policial talvez tenha uma sensação parecida com a do médico – ele protege as pessoas do mal, ele também salva vidas.
O meu avô era sapateiro. Quando ia consertar um sapato, colocava naquela tarefa uma concentração e uma energia que me deixavam encantado. Era só uma meia-sola e um saltinho que seriam trocados, mas, no momento em que ele se dedicava ao trabalho, não havia nada de mais importante no mundo.
Então, meu avô concluía o conserto e me mostrava como o sapato ficara feito novo. Ele se orgulhava do que fizera, e eu me orgulhava do seu orgulho. Depois, o cliente vinha pegar o sapato e eu prestava atenção em sua reação. Era sempre positiva:
— Nossa, seu Walter, ficou lindo! Parece novo!
Era bom de ouvir aquilo.
Cada trabalho guarda seus prazeres e angústias.
Agora, calcule como deve ser a vida de um político brasileiro. Ele passa o dia se refocilando na mentira, no engodo e no cinismo. Ele tem inimigos que querem destruí-lo e que ele quer destruir. Ele, às vezes, não pode confiar nem nos amigos. Ele está eternamente cercado de tentações, ele está eternamente ouvindo propostas indecorosas. Como ser reto e justo, se você vive entre o que é torto e injusto? Difícil. Por isso, desconfie dele, amigo leitor e eleitor. Desconfie sempre. Políticos não têm de ser idolatrados; têm de ser vigiados.