Fiquei contente com a entrevista que fizemos com o ex-secretário de vigilância sanitária do governo federal, Wanderson de Oliveira, no Timeline desta quarta-feira. Porque ele deu suporte técnico a algo que venho falando há semanas: não adianta só fazer restrições, no combate ao coronavírus; é preciso fazer restrições com inteligência.
O indispensável é reunir informações minuciosas sobre cada caso apurado de infecção, para depois tomar decisões. E essas decisões, digo eu e disse o secretário, têm de levar em conta as precariedades do Brasil. Fazer lockdown na Europa é plausível, porque os países têm estrutura para resistir aos prejuízos. No Brasil, não. No Brasil, as pessoas vão perder seus meios de vida, muitas vezes para sempre.
Um dos exemplos citados pelo secretário me deixou especialmente satisfeito: o dos ônibus. Porto Alegre vai bloquear o TRI e o vale-transporte para cerca de 130 mil usuários a partir de quinta-feira. É um exagero. É um erro.
As pessoas não andam de ônibus porque querem, em Porto Alegre. As pessoas andam de ônibus porque precisam. Os ônibus servem principalmente aos trabalhadores que não têm carro particular nem recursos para se deslocar de táxi ou em carros de aplicativos. Essas pessoas vão continuar usando os ônibus, só que pagarão pela passagem. Muito mais sensato seria fazer o que sugeriu o secretário: que as empresas higienizassem os ônibus a cada viagem e que os passageiros fossem mantidos a distância segura uns dos outros.
É fácil pedir lockdown quando você está trabalhando de casa, postando nas redes sociais os pratos que aprendeu a cozinhar, reclamando que engordou na quarentena. O difícil é ver a situação de quem não terá como pagar a escola do filho, de quem será despejado por atrasar o aluguel, de quem precisará de vender o carro para sobreviver até o fim do ano. O drama dessas pessoas não é levado em consideração, no Brasil. Elas não podem ficar em casa, esperando pela vacina. Elas têm de sair, elas são obrigadas a se expor ao vírus, e parece que não há ninguém que realmente se importe com elas.
Nunca, na longa história de injustiças do Brasil, houve tanto distanciamento entre os que têm e os que não têm, entre os que podem e os que não podem.
O distanciamento é mais do que necessário, para combater o coronavírus: é indispensável. Mas com método, com inteligência e, sobretudo, com compaixão.