Quando seu Oswaldo Rolla estava para morrer, o professor Ruy Carlos Ostermann foi lhe fazer uma visita. Encontrou-o já bem debilitado, mas eles conseguiram conversar um pouco. Dessa conversa pingaram duas frases que me tocaram, ditas pelo seu Rolla. Foi o professor que me contou, ao chegar à redação da Zero:
– David, antes de me despedir do seu Rolla, ele me perguntou: “Como está o senhor Coimbra? Gosto muito dele”.
Algo singelo, mas saber que ocupava um naco dos pensamentos do seu Rolla naquele momento crítico me emocionou. Porque seu Rolla não era qualquer um.
Ele era o grande Foguinho.
No “Sala de Redação”
Certa vez, escrevi uma matéria especial para Zero Hora e rasguei no título: “O inventor do futebol gaúcho”. Era um perfil do Foguinho. Já o conhecia bem, então. Desde pequeno ouvia falar dele. Meu avô, embora fosse torcedor do São José, era admirador do Foguinho. Contava a respeito de suas façanhas como jogador, técnico e juiz de futebol. No fim dos anos 1970, Foguinho, agora chamado por todos de “seu Rolla”, entrou no programa do qual hoje participo: o Sala de Redação.
Meu avô era ouvinte do Sala. À uma da tarde, depois de almoçar rapidamente, ele fechava a sapataria e ia para uma salinha que havia nos fundos. Esticava-se numa cadeira de lona e ligava o rádio. Dormitava por 15 ou 20 minutos, ouvindo o Foguinho discutir com o Cid Pinheiro Cabral, com a mediação do professor Ruy.
Mais tarde, trabalhando como jornalista profissional, entrevistei o Foguinho várias vezes. Ia ao apartamento em que ele morava, na Senhor dos Passos, e ouvia suas histórias com encantamento. Escrevo agora sobre ele porque, neste fim de semana, começa mais um Gauchão, e Foguinho foi um dos maiores personagens desse campeonato, junto com outro grande entre os grandes: Valdomiro Vaz Franco.
Uma placa de bronze
De Valdomiro sempre disse e digo: foi o maior jogador da história do Inter. Maior do que Fernandão, maior do que Falcão. Falcão foi melhor, não maior. Pelo menos, não no Inter.
Valdomiro jogou mais de 800 partidas pelo Inter durante 12 anos a fio. Na maior década da história do clube, ele participou de todos (eu disse: TODOS) os gols decisivos daquele supertime.
Hoje, Valdomiro mora na sua cidade natal, Criciúma, e lá construiu um memorial e mantém uma escolinha de futebol. Para meu orgulho, na entrada do memorial há uma placa de bronze com uma crônica que escrevi acerca dele.
Sem receber salário
Valdomiro tem algo em comum com Foguinho: ambos eram esforço e paixão. Ninguém treinava mais do que eles durante a semana, ninguém se empenhava mais do que eles nos finais de semana.
Foguinho foi meia-esquerda numa época em que o futebol era mais amador do que profissional. Tanto que ele nunca aceitou receber salários do Grêmio. Seu sustento vinha do trabalho como alfaiate. Mas, quando saía da alfaiataria Aliança, ali na Rua da Praia, descia até a Mostardeiro e ia para o Estádio da Baixada a fim de treinar. Para permitir que ele treinasse, o Grêmio instalou no estádio o primeiro sistema de iluminação de um campo de futebol de Porto Alegre. Esse era o tamanho de Foguinho.
Sapatos de chumbo
Valdomiro, depois que o treino terminava, continuava no Beira-Rio, batendo faltas. Mirava sempre um palmo acima da cabeça do terceiro homem da barreira e, de duas cobranças, acertava uma onde queria. De três, marcava um gol. Valdomiro me disse que se hoje, com mais de 70 anos de idade, entrar em um par de chuteiras e chutar três faltas da meia-lua, uma delas será gol.
Nem em casa Valdomiro descansava. Durante o dia, ele usava sapatos de ferro ou recheados com areia, para fortalecer as pernas. Os vizinhos do apartamento situado abaixo do dele reclamavam do barulho que ele fazia ao caminhar.
Renato e D’Alessandro
Valdomiro e Foguinho atuaram em tempos românticos. O futebol já não é mais o mesmo, o Gauchão já não é mais o mesmo, o Brasil não é mais o mesmo, também. Mas a dignidade deles persiste em alguns dos personagens do futebol. Citarei dois: Renato Portaluppi e D’Alessandro. Esses são mais do que profissionais da bola: são homens de caráter. Íntegros, leais, autênticos.
Escrevi uma vez, escrevo de novo: algumas das melhores pessoas que conheci, eu as encontrei no mundo do futebol. Não por acaso, mas porque, em geral, as pessoas estão no futebol por amor. E, se você faz o que faz por amor, fará bem. E fará o Bem.