O Brasil tem uma dívida de gratidão com a ex-quase-futura ministra Cristiane Brasil. Foi ela quem, com didática exemplar, deixou claro a todos nós como funciona a República. Naquela gravação em que pressiona os funcionários de uma secretaria do Rio, feita há quatro anos, Cristiane foi esquemática como uma professora de ensino básico. Explicou assim:
— Se eu perder a eleição para deputada, no dia seguinte eu perco a secretaria. No outro dia, vocês perdem o emprego.
Não podia ser mais direta e cristalina. Cristiane fez um resumo da lógica da política brasileira. Porque nossos partidos, todos eles, não passam de grandes agências de emprego.
Agora mesmo, Cristiane está lutando com denodo para entrar no governo. Ela quer tanto ser ministra, mas tanto, que aproveitou até o dia de folga na praia para gravar aquele vídeo esquisito cercada de grandalhões descamisados e com o peito depilado. Por que tamanho empenho para conquistar o cargo? Seria porque ela acalenta projetos maravilhosos que sempre sonhou em implantar no Ministério do Trabalho?
Não.
Cristiane está apenas atrás de uma boquinha. Um empreguinho joia. Para ela e para seus apaniguados. No caso, está em jogo o Ministério do Trabalho, mas poderia ser qualquer outro, bastava inventar lá um nome. Pesca? Portos? Igualdade racial? Não interessa o nome do ministério, não interessa para que serve, não interessa o que se deve fazer lá, nem se se faz algo lá, o que interessa é que a pasta tenha uma verba razoável para agradar aos financiadores e empregos para encaixar os apoiadores.
Alguns argumentarão que sempre se fez assim, no Brasil.
E é verdade.
Também argumentarão que é desta forma que se constrói um governo de coalizão em qualquer democracia.
E não é verdade.
No Brasil, ninguém se ocupa dessa chatice de programas, planos e projetos, o que é mesmo muito cansativo. No Brasil, os cargos públicos são distribuídos para os políticos como se fossem doces para as crianças.
Em uma verdadeira democracia, o governo de coalizão é montado a partir de ideias, não de interesses. Um partido se aproxima de um candidato e propõe: "Olha, nós te apoiaremos se você se comprometer a implementar tal projeto que defendemos em nosso programa". Então, o candidato avalia se aquele projeto não é contrário ao seu próprio programa e se não há nenhum inconveniente ou incoerência em adotá-lo. Se não houver, aceita a aliança e, pronto, vão ambos felizes para a eleição.
No Brasil, ninguém se ocupa dessa chatice de programas, planos e projetos, o que é mesmo muito cansativo. No Brasil, os cargos públicos são distribuídos para os políticos como se fossem doces para as crianças. "O PTB tem direito a um pacote de jujuba. Já o PSDB, que é maiorzinho, vai levar uma caixa de Sonho de Valsa". Lembrando sempre que os doces são comprados com o seu dinheiro, generoso leitor.
Cristiane Brasil, com sua sinceridade pedagógica, deixou tudo isso muito evidente a todos nós. E mais: graças a ela, o Brasil está há mais de um mês sem ministro do Trabalho. Você não está sentindo falta?