Existe no Brasil o entendimento de que, no momento em que um homem lhe dá um emprego, ele se torna seu inimigo. O empregador não está alugando a sua força de trabalho ou o seu conhecimento: ele é um vampiro que tentará sugar a sua vida até o último sopro. Ele se alimenta da alma dos trabalhadores e o emprego, em última análise, é um mal terrível ao qual você é obrigado a se submeter. A sua esperança é se aposentar e passar os dias de pijama, descansando da exploração. Ou, quem sabe, ter o seu verdadeiro valor reconhecido e, enfim, receber todo o dinheiro e prestígio que sempre mereceu.
Essa é a crença nacional.
Na verdade, há bons e maus patrões, assim como há bons e maus funcionários.
O que torna alguns patrões bons e outros maus?
Sentimentos humanitários talvez ajudem. As lutas históricas dos trabalhadores decerto contribuíram bastante. Mas a maior mudança foi feita através das conveniências do mercado. O patrão é bom quando é bom para ele ser bom. O funcionário, a mesma coisa.
Marx acreditava que o socialismo seria implantado em primeiro lugar nos países mais desenvolvidos, como a Alemanha.
A tentativa mais séria de socialismo acabou se dando numa nação atrasadíssima, a Rússia, em que 90% da população jazia no analfabetismo.
Marx, portanto, errou.
Errou?
Nem tanto.
Porque as condições dos trabalhadores nos países de capitalismo desenvolvido, como a Alemanha, onde ele nasceu, e a Inglaterra, onde ele escreveu O Capital, acabaram se transformando quase que nas condições ideais defendidas pelo marxismo. Foi o capitalismo avançado, e não o socialismo aplicado, que tornou socialistas as relações de trabalho.
Na China comunista, por exemplo, deu-se o contrário: o socialismo arrastou os trabalhadores não para a emancipação, e sim para a escravidão na prática. Mas, depois que Deng Xiaoping disse que "enriquecer é glorioso", no fim dos anos 1980, o dinheiro começou a entrar na China, a China virou um misto de capitalismo selvagem na economia e ditadura comunista na política. Resultado: a situação dos trabalhadores aos poucos começa a melhorar. Os chineses estão mudando, e em breve deixarão de ser apenas mão de obra barata.
Venha aqui para os Estados Unidos ou para os países da Europa Ocidental. Visite as escolas secundárias e as universidades. Você encontrará chineses aos milhares. Muitos desses ficarão nos países ocidentais, onde formarão família e arranjarão trabalho, mas a maioria voltará para a China. É um processo de sofisticação irreversível. Por mais que as velhas gerações do PCC resistam, o futuro da China é a democracia capitalista.
No Brasil, como de resto em toda a América do Sul, a tentativa de conter o que o capitalismo tem de ruim, que é a exploração dos mais fracos, contém também o que tem de bom, que é o incentivo à iniciativa pessoal. Como uma China do lado avesso, o Brasil fez uma mistura esquisita. No Brasil, o capitalismo é patrimonialista e de Estado ao mesmo tempo, é um capitalismo sem riscos para os mais fortes e com proteção inócua para os mais fracos. O subproduto desse sistema híbrido é uma confusão de sentimentos: o ódio ao próprio trabalho, a vergonha de ganhar dinheiro, a sensação de às vezes estar sendo oprimido e às vezes estar sendo privilegiado.
No Brasil, o capitalismo não é capitalismo. Nem socialismo. Nem coisa alguma.
Um dia, vamos decidir o que queremos ser. Até lá, continuaremos reclamando. E esperando que o mundo reconheça o nosso verdadeiro valor.