O povo unido jamais será vencido. Certo. Jamais.
Mas quem é povo?
É conceito amplo e vago. Certa vez, durante uma entrevista, o general Newton Cruz contou que manifestantes pelas Diretas Já, em Brasília, gritavam exatamente essa frase e ele foi lá, de farda e quepe, e os defrontou:
– Eu também sou povo! Vocês não representam o povo! E estão todos presos!
O general dizia que era povo e os manifestantes gritavam em nome do povo, um contra os outros. O povo desunido foi vencido.
Já agora, ano passado, houve manifestações oceânicas pela queda de Dilma, mais de 6 milhões de pessoas nas ruas em um único dia. A maior manifestação da história. Os governistas, no entanto, diziam que aqueles não eram "o povo", seriam parte da elite brasileira, engordada a chocolate branco e besuntada de creme Nivea, que queria manter seus privilégios e, por isso, tentava derrubar um governo que era, exatamente, "o protetor do povo". Houve quem contasse o número de negros nas passeatas. Ou seja: para eles, só os negros são "povo".
A favor de Dilma também houve manifestações, mas quem era contra ela alegou que lá não havia povo, apenas sindicalistas, militantes de entidades como PT e MST, além de gente a soldo.
Esses mesmos grupos, dias atrás, em Brasília, fizeram manifestação contra Temer. Incendiaram prédios de ministérios, arrancaram placas de trânsito do chão e as usaram como tacape, quebraram janelas, computadores e móveis, atacaram a polícia com coquetéis molotov. Eram 35 mil, número grande o suficiente para se dizer que lá havia "povo". Mas não só povo. O povo trabalhador não sai de casa armado com coquetel molotov e nem enfrenta soldados montados da Polícia Militar. Ali havia militância mobilizada e pessoas preparadas para a briga.
Mas vamos supor que eles fossem o povo. Ouvi e li isso: que o povo estava reagindo aos abusos dos políticos, donde a violência. Sem violência, argumentaram, não haveria mudanças no mundo. O "povo" continuaria sofrendo em servidão.
É um erro de avaliação histórica. Todos os movimentos populares que descambaram para a violência fratricida fracassaram. Todos.
Tomo o exemplo mais citado, o da Revolução Francesa. Quando os revolucionários invadiram a Bastilha, encontraram lá sete presos e um número cinco vezes maior de guardas, nada que se compare a um Presídio Central. Os guardas foram trucidados e a cabeça do diretor da prisão arrancada, espetada na ponta de uma vara e exposta pelas ruas de Paris pelos black blocs do século 18.
Tempos depois, estouraria o terror. Milhares de homens e mulheres foram executados, alguns por suspeição de simpatia com o velho regime, outros por denúncia falsa de vizinhos invejosos, outros até por engano. Uma "lei dos suspeitos" foi promulgada, algo bem mais radical do que as Dez Medidas do Ministério Público: bastava o sujeito ser suspeito para perder a cabeça (literalmente). Num período de 40 dias, só em Paris, quase 14 mil pessoas foram guilhotinadas. No interior, milhares foram afogados nos rios. Não se sabe ao certo quantas dezenas de milhares morreram. Finalmente, o rei e a rainha foram decapitados. Seguiram-se a eles dois dos três líderes da Revolução, Danton e Robespierre. O terceiro, Marat, foi esfaqueado na própria banheira.
Marat era chamado "O amigo do povo", título do jornal que publicava.
Robespierre dizia que o terror matava a sede de sangue do povo.
Povo, povo, sempre em nome do povo, mas a verdade é que o povo se assustou com a violência, a revolução refluiu e a monarquia voltou gloriosa, quando Napoleão tirou a coroa das mãos do papa e proclamou a si mesmo imperador.
A Revolução Francesa fracassou.
Por causa da violência.
Em outros lugares, em que o povo se manifestou com força e às vezes até com agressividade, mas sem violência, houve sucesso na transformação. Mas é assunto longo. Continuarei mais tarde.