
A ocorrência de temperaturas na casa dos 40°C tem se tornado mais comum nos registros oficiais do Rio Grande do Sul. O patamar foi atingido 226 vezes em estações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) desde 1961, ano desde o qual há dados para consulta pública no site do órgão federal.
O período entre 1º de janeiro de 2022 e 20 de março de 2025 concentra 53,5% dos casos — ou 121 medições.
Para estudiosos, os dados corroboram a sensação vivida pelos gaúchos de verões recentes mais quentes, e são impulsionados por mudanças climáticas no planeta.
Dados históricos
O levantamento das temperaturas máximas no RS foi feito por Zero Hora, que analisou quase 1 milhão de medições diárias de estações automáticas e convencionais em funcionamento ou desativadas do Inmet no Estado. O recorte utilizado foi o de maiores temperaturas máximas nos municípios onde há ou houve monitoramento.
O ano de 2022 foi o com mais temperaturas na marca dos 40°C: 79 vezes. Com menos de três meses decorridos, 2025 já é o segundo ano em número de registros, 23. O ano atual é destaque nas máximas atingidas. O recorde do Estado no período — desde 1961 — foi registrado em Quaraí, com 43,8ºC, no dia 4 de fevereiro.
A onda de calor no município da Fronteira Oeste neste ano também colocou outras três medições entre as 10 maiores das últimas seis décadas: 3 de fevereiro (42,5ºC), 23 de janeiro (42,4ºC) e 5 de fevereiro (42ºC); veja o ranking:
- Quaraí (Fronteira Oeste): 43,8ºC, em 04/02/2025
- Uruguaiana (Fronteira Oeste): 42,9ºC, em 27/02/2022
- Quaraí (Fronteira Oeste): 42,5ºC, em 03/02/2025
- Quaraí (Fronteira Oeste): 42,4ºC , em 23/01/2025
- São Borja (Fronteira Oeste): 42,2ºC, em 24/01/2022
- São Luiz Gonzaga (Missões): 42,2ºC, em 23/01/2022
- Uruguaiana (Fronteira Oeste): 42,2ºC, em 27/01/1986
- Iraí (Norte): 42,2ºC, em 03/01/1963
- Uruguaiana (Fronteira Oeste): 42,1ºC, em 20/01/2022
- Quaraí (Fronteira Oeste): 42ºC, em 05/02/2025
Outros dados
- Campo Bom, no Vale do Sinos, é o município com mais registros de temperaturas de 40°C ou mais (39 vezes)
- A Fronteira Oeste é a região que lidera a quantidade de marcas, com 94 medições, 41,6% do total
- Porto Alegre tem seis marcas, em duas estações do bairro Jardim Botânico. A convencional, com dados desde 1961, registrou em 40,6°C (06/02/2014), 40,3°C (31/12/2019) e 40,1°C (16/01/2022); a automática, em funcionamento desde 2000, contabilizou as outras: 40,6°C (06/02/2014), 40,3°C (31/12/2019) e 40,3°C (16/01/2022)
- Com estação automática desde outubro de 2007, Quaraí registrou a primeira máxima na casa dos 40°C em 20 de dezembro de 2011 (40,1°C). A marca foi apenas superada no dia 1º de janeiro de 2022, quando bateu 40,8°C. Desde então, o município da Fronteira Oeste contabilizou 24 dias com temperatura de 40°C ou mais
- Janeiro, com 103 marcas (45,6% do total), é o mês que mais teve temperatura na casa dos 40°C no RS
O calorão no campo
Calejado por uma sequência de verões marcados pela pouca chuva e estiagem, o produtor rural Rodrigo Uecker, de Coronel Barros, noroeste do Estado, comemorava no mês de dezembro passado o verde da lavoura de soja. A propriedade, que soma 70 hectares, contava ainda com uma previsão do tempo para o mês de janeiro que marcava pouco mais de 100 milímetros de precipitação.
Mas a chuva não veio. No lugar, surgiu mais uma vez a estiagem e, dessa vez, acompanhada de um novo elemento: o calor extremo.
— Um dia, a gente pegou o termômetro e foi para a lavoura. Deu 51°C. Era uma coisa de torrar e não tinha mais o que fazer, as plantas morreram — relata o produtor.
A estiagem acompanhada de um sol inclemente e temperaturas altas trouxe um novo desafio à agricultura e à pecuária gaúchas este ano. Na lavoura de Rodrigo Uecker, a conjunção dos dois fatores afetou a soja bem no período de formação da flor. O tom verdejante foi, ao longo de janeiro, minguando e sendo substituído por plantas amareladas e secas.
— Eu e meu pai trabalhamos juntos, ele tem 68 anos. Ele falou que não era assim antigamente, não era um sol tão quente — lamenta.
O que explica a situação
Para especialistas, é um fato que as temperaturas estiveram mais altas no verão de 2025.
— É justamente nas ondas de calor que você tem uma menor quantidade de nuvens e passa mais tempo sob radiação solar na área plantada — explica o climatologista e pesquisador Francisco Eliseu Aquino, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O calor extremo cria um ciclo vicioso. Com o calor, as plantas retêm ainda mais a pouca água do solo, secando o terreno. E, com isso, a temperatura interna da planta aumenta, murchando as folhas.
— Quando as temperaturas ultrapassam 30°C, 35°C, as plantas se utilizam de um mecanismo para evitar perder o que elas têm de água dentro das células, que é fechar os estômatos. É que nem nós, que fechamos os nossos poros para não perder água por transpiração — explica Gilberto Bortolini, engenheiro agrônomo e assistente técnico regional da Emater em Ijuí.
A regional administrativa da Emater em Ijuí engloba Coronel Barros e outros 43 municípios. Uma área de cultivo de, aproximadamente, um milhão de hectares de soja. As perdas na cultura devem ultrapassar os 40%. No milho, com uma área de 160 mil hectares, as perdas são calculadas em 20%. Neste caso, o prejuízo será menor em razão do plantio do milho começar entre agosto e setembro, escapando do início da estiagem em dezembro. Mas os prejuízos não são contabilizados apenas na lavoura.
— A perda de peso na bovinocultura é real. Com essas temperaturas, isso leva o bicho a comer menos, a ficar mais embaixo de árvores. É como o ser humano — afirma Roberto Fagundes Ghigino, presidente da Associação e Sindicato Rural de Uruguaiana.
Previsão
Após um verão quente e seco, o que esperar do restante de 2025 no Rio Grande do Sul? Especialistas não são unânimes e evitam precisar. Segundo o meteorologista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Vagner Anabor, o fenômeno La Niña está arrefecendo e deve levar a um período de normalidade. O evento climático, que esfria as águas do Oceano Pacífico, é o responsável por diminuir o volume de chuvas.
— Quando a gente está nesse padrão neutro com relação ao aquecimento das águas do Pacífico, a gente não tem um sinal muito claro se vai ter uma seca muito grande ou chuvas muito intensas. Dentro desse padrão, a gente espera ter uma variabilidade mais dentro do normal aqui na região — projeta o meteorologista.
Para o climatologista Francisco Eliseu Aquino, a configuração de verões mais quentes, primaveras mais longas e invernos curtos surge como um novo padrão.
— A gente tem um novo normal climático no planeta Terra. E, claro, na América do Sul e no Rio Grande do Sul — pontua.